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Antonio Roberto Batista*

Permitam-me começar este comentário usando como gancho uma observação sobre meu próprio município e a experiência vivida nele. Sou paulistano, mas minha residência não fica na cidade de São Paulo. Para ninguém se melindrar, não citarei o nome da minha cidade adotiva, mas descreverei suas características principais.

 

 

Trata-se de um município com cerca de um milhão de habitantes, pólo regional, com excelente clima. O poder aquisitivo médio da população é muito bom para os padrões brasileiros; o que é mantido de produção no setor primário tem nível elevado de qualidade e valor agregado; possui atividade industrial de alta tecnologia, com grandes indústrias de diversos setores no próprio município e arredores. No que se refere a infraestrutura, fica numa região suprida por ótimas estradas e, enquanto durou, possuía rede ferroviária; tem um excelente aeroporto, tanto para carga como para passageiros. Não apenas as indústrias são de primeiro mundo, como o parque de serviços é bastante sofisticado e a economia, portanto, cobre todos os setores e dispõe de condições privilegiadas. O município abriga, pelo menos, duas grandes universidades, além de outros centros universitários menores mas de qualidade.  Há, ainda, uma importante tradição cultural, tanto no campo mais erudito - música clássica, teatro, literatura - como nas expressões mais populares, como futebol, música popular etc.

O amigo, por favor, refreie a sua tentação de já fazer as malas e tirar passaporte. Não estamos falando de Toronto, nem de Viena e nem de nada próximo ao Vale do Silício. Fica bem perto, mas é preciso completar a análise. Guardadas as devidas proporções - é o que pretendo demonstrar - a minha cidade tem por fado ser um protótipo do Brasil mesmo. Abundância de potencial, tudo a favor, mas algo nessa história faz gol contra o tempo todo. O que lhes parece que possa ser?

Se lhes veio à lembrança o Poder Público e as suas atribuições, acertaram de primeira. Parabéns. É claro que algumas coisas nessa área também funcionam. O Poupa-Tempo, por exemplo, é aquele lugar em que as pessoas comparecem, tudo é eficaz e saem dizendo: "Puxa! Nem parece Brasil". Os radares implantados por todo o lado também funcionam com as suas velocidades limite cada vez mais baixas e a arrecadação cada vez mais alta. Mas é só.

Na cidade em que vivo, como no país em que vivo, a administração pública arrecada muito, incha muito, gasta muito e muito mal.

Saímos de casa, deixamos para trás a TV a cabo com os principais canais internacionais; nos afastamos da rede wireless doméstica e vamos a algum lugar. Repentinamente, parece que entramos no túnel do tempo. O automóvel chacoalha de buraco em buraco, de calombo em calombo; um matinho cresce no meio fio e pequenas poças d'água se formam no pavimento e nas calçadas mal conservadas, para alegria dos pernilongos. Dependendo do horário, o trânsito emperra numa estradinha precária, sem acostamento, para onde dá saída um grande número de condomínios fechados; se for à noite, você chama a ronda privada do bairro para entrar e sair de casa. A sinalização de trânsito não é lá dessas coisas, mas os radares cumprem o seu papel. Ao chegar ao centro da cidade, o caos está formado sobre as calçadas; na praça diante da Matriz ou do Fórum, há pobres infelizes dormindo sobre as calçadas. Mais uma vez, se for à noite não ande por lá, porque é perigoso. Também já existem zonas periféricas onde nem polícia entra.

Se você depender de algum serviço público na prefeitura, pode ser que dê sorte, mas também pode descobrir que os documentos que entregou em uma determinada seção não garantem a presença da informação em outra.

Eu poderia citar dificuldades relacionadas aos serviços de saúde, às escolas públicas, à segurança e controle do tráfico de drogas etc, mas é claro que você já entendeu onde quero chegar. Há um contraste chocante de qualidade entre o padrão potencial da cidade e o padrão do Setor Público. Este é em tudo e sempre ruim? Não. Mas há uma insegurança e uma descontinuidade que não permite que represente a garantia que deveria para o cidadão. Como em diversos outros municípios, já houve tempo em que seria difícil dizer com certeza quem, afinal, era mesmo o prefeito. O titular impedido por corrupção, com direito a primeira dama foragida; o vice igualmente impedido; o presidente da câmara barrado por medida liminar a pedido da oposição, mas ocupando o cargo graças à suspensão dessa liminar ... e haja confusão.

Daí o título do nosso texto: porque a política importa. Queiramos ou não, no sistema democrático que desejamos, é a política em geral e a política partidária em particular que define a qualidade daqueles que decidem muito do nosso viver. Um sistema não democrático de governo seria, obviamente, muito pior. Mas a democracia é um sistema de escolhas e, de preferência, seria bom que não se limitasse a ser das escolhas do menos pior. É inútil cultivar discursos de desencanto exaltando a "antipolítica". É preciso reconhecer a importância das decisões que envolvem a escolha pública e tentar contribuir, de maneira sóbria e pragmática, para que a administração dos assuntos de interesse comum sejam conduzidos com o mesmo empenho e profissionalismo que tentamos imprimir aos nossos assuntos particulares. Caso contrário não adianta, por mais esforço que se faça e por melhores que sejam as condições e potencialidades, o setor público nos submeterá a limitações instransponíveis.

 

* Antonio Roberto Batista
- Médico (Escola Paulista de Medicina);
- Saúde Pública (USP);
- Especialista de Filosofia (PUCCamp);
- Mestre em Ciências (FFLCH - Sociologia - USP)


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