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Assessoria de Imprensa, 13/06/2020

A edição de sexta-feira (12/06) do programa Encontros Plurais, que teve a participação do médico sanitarista Eduardo Jorge, ex-deputado federal e por duas vezes secretário municipal da Saúde de São Paulo e secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, trouxe um registro histórico sobre a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). 

O entrevistado contou ao jornalista Florestan Fernandes Jr. e ao diretor-presidente da Escola de Gestão e Contas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), Maurício/XixoPiragino, como transcorreu a construção do SUS, desde sua criação na Constituição de 1988 até os desafios que enfrenta na atualidade. O entrevistado falou também dos impactos ambientais da crise sanitária na cidade de São Paulo, já que com o isolamento social e a baixa atividade humana nos últimos meses, impactos positivos têm sido observados, como a diminuição dos níveis de poluição do ar e de emissões industriais.

Como médico sanitarista, Eduardo Jorge lembrou de grandes agentes de modernização de políticas públicas de saúde no Brasil, como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolfo Lutz e Emílio Ribas, que ajudaram a fundar a Organização Panamericana de Saúde, instituição mais do que centenária. Esses nomes também tiveram papel fundamental na contribuição brasileira para a formação da Organização Mundial de Saúde (OMS) na Organização das Nações Unidas (ONU). "A Organização Mundial de Saúde tem que ser respeitada. Claro que tem problemas, coordenar 200 países, todos diferentes, como China e Moçambique, Estados Unidos e Guatemala, não é brinquedo. Exige muita diplomacia", ponderou.

Citando o caso específico da pandemia atual, no qual se ouvem críticas à China, acusando-a de ter um regime autoritário que trata os dados, inclusive os de saúde, como elementos de segurança nacional, Eduardo Jorge afirmou que realmente houve uma vacilação da China na divulgação dos dados no começo da manifestação da COVID-19. “Realmente houve esse problema no início, e a OMS teve esse problema na largada, mas logo que tomou conhecimento, o órgão deu orientações frente a uma doença provocada por um vírus desconhecido para o qual não há medicamento preciso para as várias fases da doença, não tem vacina preparada, não se sabe direito como é a reação, como é que funciona a formação da imunidade e que apresenta taxas de infecção muito altas. É uma coisa que tem que ter muita estratégia. E qual foi a estratégia a Organização Mundial de Saúde para todos os 200 países? Primeiro, um tripé: primeiro um distanciamento social o mais rigoroso possível, que é fundamental no caso de uma doença que leva a um certo percentual de internações em Unidade de Terapia Intensiva e exige equipamentos muito sofisticados e ninguém tem isso disponível”, afirmou, reforçando que o distanciamento social atenua a chegado do vírus à população, não sobrecarregando e não colapsando o sistema nacional de saúde.

A segunda orientação é reforçar o sistema nacional de saúde, integrando o sistema público com o sistema privado e promovendo uma boa coordenação, com reforço na preparação e na proteção dos trabalhadores da saúde porque eles vão enfrentar uma situação terrível. “A terceira orientação é que, se dou uma orientação de distanciamento social e há setores da população mais pobres que terão dificuldade em cumprir uma orientação severa como essa, tenho que socorrê-las com ajuda material, inclusive ajudar as empresas mais frágeis para evitar uma quebradeira”, afirmou.

Ao lado disso, a Organização Mundial da Saúde estimula pesquisadores, cientistas, virologistas e biólogos a estudar intensamente a busca de medicamentos eficientes e de procedimentos seguros para internações mais graves. Há ainda outra orientação que é ampliar os restes na população para detectar o mais precocemente possível quais pessoas estão contaminadas pelo vírus, a fim de protegê-las o mais rapidamente possível, acompanhar seus familiares e contatos mais próximos para saber se estão contaminados e evitar que disseminem o vírus. “Os testes são importantes também para acompanhar o comportamento do vírus na população, verificando se há a criação de imunidade”, explicou Eduardo Jorge.

Segundo o sanitarista, havia no Brasil um risco que não estava previsto pela OMS: um presidente que começou a emitir sinais contraditórios em relação às orientações necessárias. "Isso foi uma tragédia para o Brasil. Está sendo e vai ser porque esta história está longe de chegar ao fim. Aqui em São Paulo reconheço que houve um esforço sério das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde. Houve países que fizeram distanciamento até mais rigoroso do que foi feito aqui em São Paulo e em outros estados. Conseguiu-se com isso certa atenuação na curva de contágios. Mas muita gente, estimulada por Brasília, se rebelou e se rebela contra a dificuldade de se fazer o distanciamento que, na verdade, não é uma coisa fácil, precisa ter muita coesão social”, admitiu, acrescentando: “Agora o governador anuncia essas cinco fases como um plano detalhadamente preparado e para algumas regiões, inclusive aqui para a capital, ele sinaliza que poderia passar da fase um [mais rigorosa] para uma fase dois, mais liberal. [...] Pelos dados que possuo e pelo acompanhamento que tenho feito, comparando números e dados, não passaria da fase um para a fase dois, principalmente porque o Brasil, com essa descoordenação nacional, não conseguiu implementar aquela quinta orientação da testagem ampla. Assim, não temos claro como está sendo criada a imunidade na população ao vírus”, ponderou. Para Eduardo Jorge, se é feita uma abertura agora sem ter segurança que a curva começa a cair, “e a curva não começou a cair”, pode-se reiniciar um novo pico de infecções e mortes daqui a 10 a 14 dias. “É uma decisão precoce e um pouco no escuro", declarou.

Sobre o SUS, Eduardo Jorge definiu esse modelo de sistema de saúde como virtuoso "porque foi o primeiro em política pública que teve condições de colocar a Federação para funcionar de forma minimamente harmônica, ou seja, o governo federal, os 27 estados e os 5.500 e tantos municípios. Isso deu trabalho para construir nos últimos 30 anos porque não é da nossa tradição", afirmou. "O Sistema Único de Saúde é pensado e feito por milhares de pessoas. Mesmo na época da ditadura militar já havia uma crítica à situação de descoordenação, de inexistência do direito à atenção à saúde universal no país. Da descoordenação do Ministério da Saúde com as secretarias estaduais, com as raras secretarias municipais existentes na época. Isso foi um trabalho de milhares de pessoas que desaguou na constituinte democrática [de 1988] e lá, em um debate que só o parlamento pode fazer, chegar numa proposta tão equilibrada e sensata como essa. Sou apenas um desses milhares que colaborou nesse processo [...] O SUS é resultado de um diálogo das várias correntes políticas da esquerda, do centro, de conservadores, de liberais. [...] O Sistema Único de Saúde é um caso de construção nacional. O SUS vem sendo implantado e ainda falta muita coisa a ser feita, mas hoje, diante da pandemia, muita gente está reconhecendo a importância desse esforço nacional [...] O SUS é uma reforma social, talvez a mais importante em termos de redistribuição de recursos, de renda, de acesso a direitos no Brasil", acredita o Eduardo Jorge.

O ex-secretário aproveitou o programa para também contar as várias experiências vividas em sua trajetória na Secretaria Municipal de Saúde, nas gestões das prefeitas Luiza Erundina e Marta Suplicy. "Foi feita muita coisa interessante nesse período anterior à Lei 8.080 [Lei Orgânica da Saúde, de 1990]. Entre os feitos mencionou que São Paulo foi a primeira cidade que teve um conselho municipal eleito e representativo, com a participação de movimentos populares, sindicatos, empresários e outras associações interessadas na área da Saúde. E um dos princípios do SUS é a participação social. Fomos o primeiro Conselho Municipal de Saúde implantado e em funcionamento, discutindo, planejando, criticando nossas ações, nos ajudando", lembrou Eduardo Jorge.

Outro ponto importante citado pelo sanitarista foi a organização de programas inovadores na área da saúde da mulher, incluindo um programa de Planejamento Familiar muito extenso, muito abrangente. “Na área da saúde mental, havia uma discussão muito intensa, principalmente anos 1960-1970, sobre a reforma manicomial [com o questionamento da política de internação indiscriminada dos pacientes]. Foi dessa época também a criação de um dos primeiros programas em relação à AIDS, além da criação do Centro de Formação dos Trabalhadores da Saúde [CEFOR)], fundado em 1989 e em funcionamento até hoje para a formação de trabalhadores na área da saúde”, elencou Eduardo Jorge, citando ainda que nessa época o serviço de estatística e epidemiologia da Secretaria foi reformulado, funcionando até hoje. “Também começamos na época a implantação de cinco hospitais municipais simultaneamente", finalizou, lembrando sua passagem pelo governo Luíza Erundina na cidade de São Paulo.

Fazendo uma comparação com outros países, como os Estados Unidos, que não têm um Sistema Único de Saúde, o médico alertou para o fato de que mais de 95% dos transplantes brasileiros são feitos pelo SUS com alta tecnologia. "Feitos nos hospitais públicos, hospitais de grande tradição que temos, mas também em hospitais privados de ponta. Só os Estados Unidos faz mais transplantes do o Brasil, só que com uma diferença: nos Estados Unidos só faz transplante quem pode pagar, quem não pode pagar morre. No Brasil, não. Tem uma fila organizada, você só passa na frente se seu caso exige uma urgência maior", mencionou.

Como uma memória viva da trajetória de implantação do SUS, Eduardo Jorge fala sobre o projeto de Atenção Básica de Saúde. "Sei da importância que é ter um sistema nacional de saúde, ter uma atenção básica de qualidade. [...] O SUS criou essa formação que é a Saúde da Família. [...] O Programa Saúde da Família é a chave para se ter uma Atenção Básica de qualidade, abrangente, eficiente e humana. [...] Com quantidade e qualidade, ele dá conta de cerca de 80% das demandas que um cidadão e uma cidadã têm em relação à sua saúde", sublinhou.

Quanto às questões ambientais, Eduardo Jorge, que também já esteve à frente da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente na cidade de São Paulo, destacou que a pauta-mãe do século XXI é a da mudança climática, a do aquecimento global. "É essa pauta que exige a mudança na economia, no consumo, no trabalho, na relação com o meio ambiente e com as outras espécies de animais, enfim o que devemos mudar se quisermos deixar um planeta azul tão maravilhoso para os nossos netos e bisnetos. [...] e São Paulo foi a primeira cidade do Brasil a ter uma lei climática", evidenciou.

Segundo o médico sanitarista e ambientalista, 80% das emissões na Capital Paulista são provenientes do transporte, da circulação de veículos por meio de combustível fóssil. "Portanto, a principal ação de São Paulo para ajudar a humanidade e o planeta no combate ao aquecimento global é mudar a matriz energética que move a cidade. [...] E é uma importante contribuição para o Sistema Único de Saúde porque são milhares as pessoas que adoecem envenenadas pelo diesel. São centenas as pessoas que morrem, e o SUS tenta salvar. Essa é uma medida importante para a saúde e importante para o meio ambiente. E é possível e é necessário fazer", diagnosticou.

Eduardo Jorge ainda respondeu às perguntas dos espectadores e participou do tradicional bate-bola feito pelo diretor-presidente da EGC, Maurício/XixoPiragino, ao final de cada entrevista.

Assista o programa na íntegra aqui: 

 


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