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Assessoria de Imprensa, 24/06/2020

Ganhador dos prêmios de melhor diretor e melhor ator no Festival do Rio, melhor filme ibero-americano do júri oficial no Festival de Mar Del Plata, na Argentina, além do Prêmio Fipresci, da Fédération Internationale de la Presse Cinématographique (Federação Internacional de Críticos de Cinema), o filme "Quase dois Irmãos (2004)”, da diretora Lúcia Murat, retrata inúmeras questões políticas, sociais e culturais da história brasileira. 

O longa-metragem foi o ponto de partida para que o ator Caco Ciocler, que interpreta um dos protagonistas, e o produtor cultural Diogo Rodrigues debatessem, na terça-feira (23/06), em ambiente online, essas e outras problemáticas dentro da programação do cineclube da Escola de Gestão e Contas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Como mediadores do debate estavam o diretor-presidente da EGC, Maurício/Xixo Piragino, e o curador do cineclube da EGC, Fernando Ferric.

O filme acompanha o encontro de um senador e um poderoso traficante de drogas do Rio de Janeiro para negociar a realização de um projeto social nas favelas da cidade. De origens diferentes, eles se tornaram amigos nos anos 1950 e vinte anos depois se reencontraram na prisão da Ilha Grande, onde prisioneiros políticos e presos comuns dividiam o mesmo espaço.

“Temos todos duas vidas, uma que sonhamos, outra que vivemos’. O verso de Fernando Pessoa pontua ‘Quase dois irmãos’. O filme tem como tema os desencontros entre dois mundos, onde a proximidade é ilusória. Usando como metáfora dessa realidade a dura convivência entre o caos do morro e o asfalto, o filme provoca a reflexão sobre o espaço que separa os intelectuais do povo; presos-políticos de presos comuns; e acima de tudo, dos negros e brancos", disse Fernando Ferric na abertura do encontro.

Maurício/Xixo Piragino observou o significado do “quase” no longa-metragem. "O "quase” retrata a história que vai acontecendo paralelamente entre um menino branco, de classe média, e um menino negro, vindo do morro. Eles se encontram quando crianças, depois na cadeia, na vida adulta e vão tomando seu rumo. O “quase” também vale para a democracia e para quase tudo. Acho muito feliz a proposta da Lúcia Murat em retratar isso", comentou o diretor-presidente.

Caco Ciocler confirmou que esse “quase” é onipresente. "A gente vive ‘quase’ no mesmo país. Eu vim, por exemplo, de uma classe média branca, um tipo de mundo que sempre teve pouco contato com o samba, o morro e, consequentemente, com o Luiz Melodia”, revelou o ator. Ao ser questionado sobre a importância da participação de Luiz Melodia no filme, grande músico brasileiro e inspirador do movimento negro Caco afirmou: “Ele é o representante de um grande movimento que conseguiu aparecer. Tenho obrigação moral de assumir aqui, como começo de programa, que tinha, e continuo tendo, um distanciamento imenso desse universo, bastante simbólico para nosso país".

O produtor cultural Diogo Rodrigues seguiu a mesma linha de raciocínio de Ciocler e e Xixo. "A questão do ‘quase’ é realmente simbólica, representa a separação",afirmou. "Vivemos ‘quase’ em um bairro igual, temos acesso a ‘quase’ os mesmos serviços, ‘quase’ a mesma política de organização social, mas esse ‘quase’ representa essa cidade partida. O escritor Zuenir Ventura falou muito bem disso quando revelou como as pessoas, por mais que estejam próximas, pensando em uma perspectiva de como os bairros e as cidades no Rio de Janeiro se organizam, com pessoas brancas e ricas muito próximas de outras majoritariamente negras e pobres, porém sem acesso à mesma cidade, não têm os mesmos direitos enquanto sociedade brasileira. Fico com a sensação, uma coisa muito significativa para mim no filme, do quanto esse ‘quase’ também é negado pela elite supremacista branca no Brasil, como se vivêssemos numa mesma realidade e a facilidade que o poder têm, e as pessoas que detêm não só o poder político, mas o poder de carregar um corpo privilegiado, o corpo que não fica no ‘quase’. Nesse sentido a sensação é que o ‘quase’ cabe a gente, a população negra que ‘quase’ tem saúde, que ‘quase’ tem educação, que ‘quase’ tem mobilidade urbana e social. Me chama muito atenção de onde vem essa negação. O filme retrata isso muito bem, quanto a organização de esquerda, representada de forma saturada por pessoas brancas, tem essa negação e quando o 'calo aperta' se amplia mais ainda essa distância entre as questões de raça que, inevitavelmente, se cruzam com as questões de classe, de gênero e de orientação sexual", refletiu o produtor cultural.

Diogo Rodrigues também comentou sobre a relevância da participação do músico Luiz Melodia, falecido em 2017, no filme. "Luiz Melodia é mais uma das representações negras que inspiram muitos negros e negras no meio da cultura e dessa sociedade racista em meio a todas as questões que a gente vive. Hoje, no Malungüetú (projeto de resgate da arte negra), a gente tem uma performance muito linda a partir da música 'Pérola Negra' usando o trabalho que o Luiz deixou para a gente, e que faz falta, para a exaltação do povo negro. O Luiz deu muitas contribuições para a cultura nacional, para a cidade do Rio de Janeiro e para o bairro do Estácio, que hoje é esquecido pelo poder público, tem poucas ações culturais, mas que deveria deixar seu legado para a história da cidade e do Brasil", declarou o produtor.

Sobre estereótipos e representatividade do negro no longa-metragem, Rodrigues fez um apontamento sobre as mulheres, primeiramente. "As mulheres negras que pouco aparecem no filme vi nos lugares estereotipados de sempre, ou como empregadas ou como mulheres faveladas, barraqueiras, agredindo, mulheres brancas, brigando por homens e isso me trouxe um certo incomodo", opinou. "Em relação aos negros representados nesse lugar marginalizado é um pouco cansativo. De alguma forma eu fico com a sensação de estar vendo novamente a mesma coisa, como primeira impressão do filme. Entretanto, acho que a diretora Lúcia Murat manda bem na construção que faz e como coloca a discussão política do negro no filme. Acho isso inaugural, muito interessante, não só pela perspectiva da discussão política do negro, mas fundamentalmente pelo posicionamento negro dentro do movimento político da ditadura militar. O filme mostra uma organização de pessoas negras, mas ainda no estereótipo da violência. Contudo, acho importante principalmente pelo que enfoca. As evidências que veem a partir dali, diante dos questionamentos políticos e de como a questão de raça atravessa esses questionamentos, me deixa feliz. É um filme que me sinto representado", completou o produtor.

Caco Ciocler lembrou que se costuma associar a obra artística ao seu contexto. "Obviamente que o contexto histórico de 15 anos atrás era totalmente diferente do de hoje, inclusive na questão racial. Atualmente estamos mais atentos para muitas questões e aprendendo outras tantas. Ainda falta muito, mas naquela época nem se discutia. O filme não era exatamente sobre isso que nós estamos tentando encaixá-lo, embora ele seja também sobre isso porque estamos falando sobre ele agora, mas o longa era primordialmente sobre a influência que os presos políticos tiveram nos presos comuns na formação de guerrilha, de entendimento de crime organizado. Essa era a tese da Lúcia naquele momento, de que existia um encontro da classe de presos-políticos e presos comuns, um encontro muito produtivo no sentindo do entendimento de estratégia de guerrilha. O filme era sobre isso, em uma época onde essa questão da posição do negro no cinema, como o negro será representado no cinema, como ele deve ser representado, quais são as questões importantes não estavam em voga. Muito legal o Diogo levantar essa questão porque realmente, nesse sentindo, ele soa como um filme de época, como um filme envelhecido nesse lugar em que o negro, de novo, é representado como preso comum, em contraste com a maioria dos presos-políticos brancos e as mulheres negras aparecem estereotipadas.

Segundo Ciocler, filmes como "Quase dois irmãos" são importantes porque levantam essas questões e apresentam momentos históricos. "Acredito que a educação seja isso. O papel do educador é de levantar questões para que possam ser debatidas. Obviamente que neste momento voltamos a falar sobre ditadura militar e é muito importante porque tem muita gente que não sabe o que foi, e por isso está pedindo a volta de uma coisa que nem sabe o que era. É extremamente contraditório porque a pessoa está na rua pedindo a volta de um regime que não permite a mobilização de rua. O que eu estou dizendo é que: é importantíssimo que se fale sobre isso, se estude e se entenda para que a gente saiba o que está falando. Nesse sentindo a cultura é importantíssima porque é uma maneira de levantar questões não só intelectualmente, mas fazer com que quem se permite uma experiência artística possa ser tocado em lugares intuitivos, emocionais e simbólicos. A arte é muito potente e não é à toa que está em franco processo de destruição. Em todos os governos fascistas, de esquerda e de direita, uma das primeiras coisas que fizeram foi tentar aniquilar com a produção artística livre porque eles reconheciam a potência de um movimento artístico livre."

Durante o debate, Caco falou sobre preparação de personagens, inclusive Miguel, que interpretou em "Quase dois irmãos". Os participantes comentaram sobre a trilha sonora do longa-metragem, assinada por Naná Vasconcelos, sobre os atuais trabalhos do ator, sobre o investimento que o audiovisual recebe em contrapartida do retorno que proporciona e, por fim, sobre o papel do Estado na recuperação da cultura.

O filme pode ser visto gratuitamente no site da SPCine Play: www.spcineplay.com.br.

Veja o debate na íntegra aqui:

 

 

Caco Ciocler, ator que interpreta um dos protagonistas do filme "Quase dois irmãos"

Diogo Rodrigues, produtor cultural

Fernando Ferric, curador do cineclube da EGC

Maurício/Xixo Piragino, diretor-presidente da EGC


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