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Assessoria de imprensa

Promulgada em 9 de janeiro de 2003, a Lei n° 10.639, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" e o dia 20 de novembro como o "Dia Nacional da Consciência Negra". Dada a importância da temática e em homenagem à data celebrada no Brasil, a Escola Superior de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) promoveu, na quarta-feira (24/11), um webinar que abordou a construção de uma educação antirracista com base nos 18 anos da Lei nº 10.639/03.

 

Palestraram durante o evento a coordenadora pedagógica na Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), com experiência profissional em História, ênfase em História Indígena, Latino-Americana e Educação para Imigrantes, Adriana de Carvalho Alves, e o professor no Centro Universitário São Camilo e na Prefeitura Municipal de São Paulo, Jonathan Marcelino da Silva. Mediou os debates a mestre em Políticas Públicas e instrutora da EGC, Suelem Lima Benício.

 

Durante o encontro, Suelem esclareceu que essa lei não inaugura uma educação antirracista, no entanto, é vista como um marco normativo, uma conquista, porque muitas dificuldades existiam para aqueles e aquelas que se desafiavam, do ponto de vista da sua prática pedagógica, na implementação, uma vez que essas pessoas não tinham o amparo legal e eram vítimas ou impedidas por alguns desacordos em relação àquilo que era a compreensão do papel da escola no debate sobre relações raciais, racismo e antirracismo. "A gente tem nesse marco uma grande conquista. Esse marco é uma conquista, mas inicia um processo que vem se desenvolvendo com avanços e muitos desafios. [...] Avançamos muito nesses 18 anos, mas ainda temos muitos desafios, afinal de contas, são 520 anos de uma história complicada do ponto de vista das desigualdades raciais em relação à nossa sociedade brasileira", disse a professora.

 

Adriana de Carvalho Alves desenvolveu um trabalho junto à pós-graduação que fez na área de Gestão da Educação Pública, pela Universidade Federal de São Paulo, com relação à formação de educadores na perspectiva da Lei nº 10.639. A professora apresentou dados que contribuíram para situar o papel indutor da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo no que se refere à Educação para as Relações Étnico-raciais. "Quando comecei essa pesquisa, meu objetivo principal era realmente desvelar quantos cursos foram oferecidos, quantas ações, se essas ações formativas foram realizadas dentro ou fora do horário de trabalho e que subsídios tiveram esses educadores e educadoras para que, de fato, o conteúdo da Lei nº 10.639 fosse incluído ao currículo escolar e os objetivos seriam, naquele momento, identificar quantos eventos aconteceram, quantas horas, mas, para além disso, identificar em quais períodos houve maior oferta", contou.

 

Dentre os aspectos metodológicos da pesquisa, a coordenadora pedagógica identificou o Diário Oficial da Cidade de São Paulo como ferramenta para a aplicação de estratégias de palavras-chave no campo de digitação de descritores. "A publicação deveria apresentar especificações que indicassem que se tratava de uma formação: quantidade de vagas, locais de oferta e carga-horária. Estava entendendo aquilo como ação formativo-pública que as pessoas se inscreveriam para participar e realizar aquela formação", explicou em sua exibição.

 

"Esse levantamento possibilitou observar, dentro do período utilizado, em que momentos houve maior oferta e então conseguimos aprofundar para descobrir quais foram os temas mais abordados nesse período. Separamos em três períodos e a gente conseguiu, a partir desse mapeamento, localizar, fazer um balanço quantitativo e também qualitativo dessa oferta de formação continuada", comentou ao descrever os períodos, que foram:

  • Primeiro período (2005-2012) - A Educação para as Relações Étnico-raciais entra em campo (42 eventos formativos; 11.1892 vagas; 2 dispensas de ponto);
  • Segundo período (2013-2016) - Aceleração da Política Pública (200 eventos formativos; 44.121 vagas; 16 dispensas de ponto);
  • Terceiro período (2017-2019) - A agenda da Educação para as Relações Étnico-raciais diminui a relevância política (14 eventos formativos; 1.250 vagas; 4 dispensas de ponto).

 

Cabe ressaltar que essa divisão não é feita por governos. "Eu aglutinei em um grande período de tempo que estava formando juízo sobre aquele período de oferta de vaga a partir da análise quantitativa", informou Adriana. Também se esclarece que a dispensa de ponto é considerada quando o servidor e a servidora têm direito de participar da formação dentro do horário de trabalho, sem prejuízo.

 

Um ano que recebeu recorte especial da professora foi 2014, pois houve uma diversificação das temáticas abordadas. "Foi o ano em que houve um edital de contratação de formadores. Então, a partir de 2014 começa a vigorar esse edital. E o que é isso? A Prefeitura de São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação, vai abrir um edital público para contratar palestrantes, formadores, para que esses formadores especialistas em alguns temas fossem até os territórios onde atuam esses educadores para oferecer as formações. Com isso houve uma ampliação bem interessante da quantidade de vagas, mas não apenas isso, houve ampliação também das temáticas que foram oferecidas nessas formações."

 

Por isso, Adriana grifou que todos os períodos que analisou, de 2005 até 2018, foi em 2015 que 42% dos cursos foram oferecidos. "Eu me recordo também que foi nesse ano que nós tivemos cursos específicos sobre a história de alguns países Latino-Americanos, por exemplo, a história do Haiti, vinculando a essa temática racial. Outra coisa interessante foi a realização de alguns eventos grandes relacionados às personalidades negras [Maria Firmina, Luiz Gama e Nelson Mandela]", declarou.

 

A pesquisa retrata que a partir de 2017 essa relevância de uma iniciativa voltada à formação continuada dentro dessa temática vai perdendo visibilidade, justamente por não estar registrada, protocolada e mensurada. Para que isso não aconteça, Adriana aconselhou pensar essa formação continuada como um direito da servidora e do servidor público. "Não estou falando apenas da professora e do professor, mas estou falando também daquele funcionário e daquela funcionária que atua na gestão da escola. Tivemos cursos específicos para a equipe gestora com dispensa de ponto, convocação, cursos que abrangiam trabalhos dos Assistentes Técnicos de Educação (ATEs), pessoal que trabalha na secretaria, pessoal de inspetoria. Então, foi muito relevante pensar uma formação que contemplasse todos esses agentes que atuam dentro da escola, estando eles relacionados ou não ao processo mais direto de ensino-aprendizagem", finalizou a primeira palestrante, completando: "Pensar nesses 18 anos da Lei é pensar também no quanto tem sido investido para que essa justiça curricular ocorra."

 

Já o professor Jonathan falou dos desafios que essa implementação tem se debruçado sobre alguns conceitos que orientam seu trabalho, como o de decolonialidade e a desconstrução da modernidade colonial que se estabeleceu contra os povos marginalizados. "Em meus estudos eu parto da premissa de que o fenômeno do racismo no Brasil é um processo que é histórico e político e se articula diretamente com a identidade do povo brasileiro. No meu entendimento, é impossível compreender o Brasil sem considerar a forma como o racismo, e sua dimensão simbólica operam e operavam a formação da nossa sociedade", iniciou.

 

O palestrante afirmou que de forma inegociável a Lei nº 10.639 pode ser entendida como fruto de concessão parlamentar ou governamental. "Ela é fruto de lutas históricas e centenárias dos movimentos sociais negros por uma educação antirracista de qualidade. Eu acredito que em respeito a nossa ancestralidade, àqueles que vieram antes de nós, sempre que temos oportunidade de chamar atenção para o papel do movimento negro ou dos negros em movimento para a realidade do que é a Lei nº 10.639, penso que não podemos deixar passar batido", ilustrou.

 

"A Lei nº 10.639 marca a possibilidade de uma ruptura epistemológica cultural no âmbito da Educação, mas não somente, ressalta uma ruptura no âmbito de todos os aspectos da vida social. Então me refiro aqui a contexto simbólico, econômico, político, enfim, em todas as esferas da vida social. [...] Pensar a Lei nº 10.639, necessariamente, é olhar a política de igualdade racial como um todo, é olhar para toda a política étnico-racial que foi construída no Brasil em mais de uma década. Ela é chave explicativa para olharmos a política pública", salientou Jonathan.

 

O professor fez questão de mencionar políticas públicas voltadas à igualdade racial, ou seja, o repertório do Estado que busca minimizar ou atenuar as repressões, as desvalorizações, a falta de cotas etc. Além disso, reforçou que a Lei nº 10.639 explicitou para o Brasil que existe uma relação colonial na construção da história não só do mundo, mas do nosso território. "Ao mesmo tempo que ela chamou a atenção para essa relação colonial (quando me refiro aqui a colonial, não me refiro ao processo de colonização somente) o processo de colonização teve uma data de início e teve uma data de fim, ele toma esse período de surgimento da nossa nação, a colonização teve um fim, mas a colonialidade, que é um processo que se desdobra a partir da colonização, se constrói quase que concomitante, atravessa o tempo".

 

Para além da educação fundamental, de acordo com Jonathan, a Lei nº 10.639 teve um impacto positivo no ensino superior. Porém, nesses 18 anos a aplicação da lei ainda é uma realidade precária. "Claro que celebro tudo aquilo que foi conquistado, tudo que foi produzido, tudo que foi feito, mas evidentemente que existem alguns entraves para essa efetivação", lembrou ressaltando alguns deles, como a resistência de incluir no currículo o debate da relações étnico-raciais, a perspectiva negra, a perspectiva indígena. O outro aspecto que é um dos gargalos da lei é a falta de qualificação dos gestores educacionais. Também há a ausência da participação e do engajamento da comunidade escolar.

 

Por fim, lamentou o contexto que estamos vivendo atualmente, um cenário de agendas conservadoras, de fortalecimento de discursos autoritários. "Temos que reivindicar, resgatar o repertório de resistência de um povo que mesmo em condições assimétricas de poder, em condições de desvantagem, de ameaça à manutenção de sua vida, de ataques cotidianos à sua dignidade, esse povo herdeiro de africanos, que aqui nesse território estabeleceu e conseguiu desenvolver um conjunto de práticas e de estratégias de superar o contexto no qual estavam inseridos. Nós estamos aqui como sinônimos dessa resistência. É um povo que não só foi capaz de construir, não só foi capaz de fazer ciência, de fazer política, mas foi capaz de construir trajetória de felicidade. Eu tenho certeza que vamos precisar revisitar esse repertório para seguir daqui para frente", concluiu.

 

Após as apresentações os palestrantes responderam às dúvidas encaminhadas pelos internautas ao chat do evento.

 

 

Professor no Centro Universitário São Camilo e na Prefeitura Municipal de São Paulo

 

Instrutora da EGC e mestre em Políticas Públicas

 

Coordenadora pedagógica na Prefeitura Municipal de São Paulo, com experiência profissional em História, ênfase em História Indígena, Latino-Americana e Educação para Imigrantes

 

 

 


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