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¹Amândio Martins

Chegou ao fim a tão esperada Olimpíadas 2016, ou mais precisamente, Jogos Olímpicos Rio 2016.

Tudo começou em 02 de outubro de 2009 quando o Comitê Olímpico Internacional- COI - escolheu em Copenhague, na Dinamarca, através de processo eleitoral, a cidade do Rio de Janeiro para recepcionar e organizar os Jogos de 2016. Na ocasião a capital fluminense venceu o sufrágio concorrendo com Madri, Tóquio e Chicago. Foi a primeira vez que a América do Sul recebeu este evento. Em um intervalo de dois anos o país recebeu dois dos maiores eventos do esporte mundial. No ano de 2014 havia sido o palco da Copa de Futebol FIFA.

A disputa foi acirrada. A candidatura brasileira venceu Madri na última rodada da reunião por 66 votos a 32, sendo que Tóquio e a então favorita Chicago caíram nas rodadas anteriores.

À época o Rio defendeu a tese de que deveria ser escolhida pelo ineditismo do local e pelo positivo momento econômico.

Após o foguetório e tilintar de taças de champanhe para comemorar, vieram opiniões favoráveis e contrárias de atletas, organizadores, políticos, imprensa – nacional e internacional - e da população de um modo geral, sobre a escolha da cidade. A rejeição pelos cariocas chegou à casa dos 60%. Afinal, segurança, saúde, educação, transporte público e mobilidade urbana, na opinião dos cidadãos eram as prioridades.

A maratonista Márcia Narloch, medalha de prata nos Jogos Pan-americanos de 2007 no Rio de Janeiro, disse que ficara muito feliz com a escolha. “Foi um sonho concretizado, um trabalho feito com muita confiança e dedicação e esperamos que tragam muitos benefícios para o esporte”. Destacou ainda, que havia muito para ser feito. “Temos que trabalhar e buscar um número maior de atletas para conquistarmos mais medalhas”. Quanto à organização e infraestrutura realçou, “dos últimos três Pans que participei, o Rio foi um exemplo de organização. Mas acredito que é necessário melhorar o transporte, a infraestrutura hoteleira, entre outras coisas”.

Para Sérgio Nogueira, então diretor do clube de atletismo BM&F Bovespa, o governo precisava se preocupar um pouco mais com o esporte de base antes de pensar em eventos grandiosos como uma Olimpíada. “Infelizmente nos últimos 20 a 25 anos não houve nenhuma política ou ação para o esporte na juventude”. Comenta que em vez de construir estádios, piscinas e locais de competição, o dinheiro deveria ser investido num trabalho de formação, o que leva bastante tempo e certamente não será visto até 2016. “Com exceção de um ou outro atleta que possa ser revelação, a maioria já está treinando para os jogos”.

Jacques Rogge, à época Presidente do Comitê Olímpico Internacional, teceu elogios ao Rio. “Gostaria de dar os parabéns à cidade, que apresentou ao Comitê um projeto técnico muito forte, com o intuito de transformar os jogos numa celebração do esporte para os atletas e, ao mesmo tempo, ampliar as aspirações para o futuro. Bem vindo Rio!”.

Antes, sediar as Olimpíadas costumava ser popular. No final de julho de 2015, a cidade de Boston desistiu de ser candidata à sede das Olimpíadas de 2024 (a de 2020 será na cidade de Tóquio). A cidade sentiu-se obrigada a cancelar sua candidatura em virtude da pressão da população, que se manifestou contra "o endividamento, as remoções e a militarização do espaço público" que os jogos olímpicos impõem a todas as cidades-sede.

Basicamente, os cidadãos e pagadores de impostos da cidade de Boston não estavam interessados em arcar com a enorme quantia gasta para promover o evento revestido de grande pompa. Ao passo que, em outras épocas, os jogos olímpicos representavam o esporte e a camaradagem internacional.

A pergunta recorrente é: qual é o legado deixado às cidades-sede por esses grandiosos eventos? Legado é, frequentemente, associado a algo palpável, mensurável: requalificação de espaços públicos, obras de infraestrutura e de mobilidade urbana, ocupação de hotéis, movimentação do turismo e no comércio, aumento das receitas municipais dentre tantos outros benefícios. Os não palpáveis são os relacionados às atividades esportivas: práticas esportivas de alto rendimento, de lazer e bem estar. Estes últimos requerem mais tempo de percepção e precisam ser perenes para a colheita de bons frutos.

Fazendo um paralelo, a Copa de Futebol FIFA 2014 deixou algumas benesses, é verdade, mas, também, passivos cuja conta a população brasileira esta arcando. Exemplos não faltam. Obras de mobilidade não concluídas (muitas não saíram do papel), arenas construídas em estados com não mais que meia dúzia de times de futebol e sem representantes em nosso maior campeonato, o Brasileiro, onde jogos entre times de outros estados são realizados para não ficarem sem ocupação desses gigantes.

Os Jogos Olímpicos de Londres 2012 ficaram conhecidos como os jogos da sustentabilidade cujo mote foi “Going for Green - Britain's 2012 Dream”. O legado palpável que mais saltou aos olhos foi a requalificação do bairro de Stratford e dos bairros vizinhos, no leste da capital inglesa. Esta região abrigou no século passado várias indústrias poluidoras que deixaram um vigoroso lastro de devastação do solo e de corpos d’água. O impacto negativo foi, digamos, severo e total. Havia também sério problema de segurança. Para a recuperação da área de 2,5 km2 foram necessárias desapropriações de propriedades particulares, torres de distribuição de energia, recuperação do solo e de rios e lagos, de modo a propiciar a implantação do Parque Olímpico. Após o evento o local (parque e áreas esportivas) foi entregue à população. É certo que nem tudo foram flores, afinal houve acertos e erros. A parte negativa está relacionada às pessoas que moravam na região e foram pressionadas a sair (e não conseguiram voltar) e algumas promessas não cumpridas, como por exemplo, o destino de 50% das moradias (da vila olímpica e de áreas próximas) que deveriam ser classificadas como “economicamente acessíveis” às pessoas de baixa renda. Por razões de valorização da região, apenas 30% entraram nesta cota.

Para que tudo isso fosse possível (a entrega deveria anteceder em meses, e não em dias do início dos jogos) imediatamente após a escolha de Londres pelo Comitê Internacional, foi criado e nomeado o comitê local com condições suficientes de planejamento e estratégias muito bem definidas, o que resultou na elaboração do cronograma contendo todas as etapas a serem cumpridas, com datas de início e término claras. Daí para frente deu-se o trabalho sério e focado.

Imediatamente após a escolha da cidade londrina, as autoridades inglesas iniciaram uma campanha destinada ao incentivo de práticas esportivas por parte da população. Hoje boa parte da população pratica com frequência alguma atividade física e de lazer. Os alunos, em média, fazem cinco horas semanais de esportes.

E nós, o que fizemos?

Quanto ao legado palpável, não há dúvidas de que parte da população do Rio de Janeiro foi beneficiada, embora de maneira concentrada para atender à acessibilidade para o Parque Olímpico. Não como se desejaria, mas é inegável que foi. Para tanto, demolições, reconstruções, implantação de novas avenidas, túneis, museus, requalificações de áreas degradadas, obras de mobilidade, novos modais de transportes públicos, aquecimento do turismo local (e não local), foram realizados. Embora obras e serviços tivessem sido concluídos ‘encima da hora’, não dando tempo para muitos testes serem feitos, algum legado ficou.

Há investimentos que deixaram de acontecer. O mais emblemático é o que diz respeito à obra de saneamento da Baía de Guanabara, motivo de chacota por uma parte dos atletas das equipes de vela.

Os apartamentos destinados ao alojamento dos atletas, construídos pela iniciativa privada e entregues inacabados, não foram planejados para se destinar à moradia popular. Parte deles serão transformados em condomínio de luxo.

A maior preocupação desde o início foi com a segurança. Nos dois anos que antecederam a abertura dos jogos ocorreu uma onda de ataques terroristas ao redor do mundo. A segurança de um modo geral foi bem, embora manchada pelo assassinato de um policial da Segurança Nacional e algumas outras ocorrências sem grande expressão.

A abertura foi um show à parte. Em que pese alguma divergência, pela inclusão deste ou aquele artista ou celebridade, recebeu elogios generalizados. Foi elogiada ao redor do mundo, como se viu nas redes sociais e na imprensa internacional. A organização com seu séquito de colaboradores voluntários ocorreu a contento. Um tombo de carregadores de tochas aqui outro ali e filas quilométricas para aquisição de lanches e bebidas não tiveram o condão de manchar os jogos. Um fato negativo foi a execução de uma onça após a passagem da tocha no Estado do Amazonas. Uma pena.

As mentiras de alguns atletas que denegriam a imagem do país foram, rapidamente, elucidadas com o resgate, pela polícia, dos fatos realmente ocorridos.

No que se refere à torcida, ficou marcado o estilo brasileiro, forjado no futebol, que desta feita alcançou a desejada medalha de ouro. Torcida de alegria contagiante, emprestada às demais modalidades esportivas, mesmo indevidamente àquelas que necessitam da máxima concentração do atleta. Na prova de tiro ao alvo, por exemplo, a torcida gritava e se agitava como se no estande de tiro estivessem antigos craques do nosso futebol com seus dribles desconcertantes. Para alguns trata-se de falta de educação esportiva, mas não se pode negar o toque vibrante e de emoção.

O encerramento contou com grande calor humano, próprio do nosso povo. Quem esteve no Maracanã, palco de um sem número de eventos, ou assistiu pela TV, jamais esquecerá. O fecho, com chave de ouro, foi a entrega aos representantes de Tóquio do bastão para os Jogos Olímpicos de 2020.

Na classificação geral ficamos na 13ª colocação, relativamente próximos do que as autoridades esportivas brasileiras planejavam: estar entre as 10 maiores nações esportivas do mundo, com 27 medalhas.

Façamos votos de que o maior legado possa ser o incentivo explícito e maciço por parte das autoridades brasileiras às práticas esportivas habituais e de lazer pelo cidadão comum. Isto deveria ter sido feito desde o momento em que ocorreu a escolha pelo COI da cidade do Rio de Janeiro, a exemplo do que ocorreu na Inglaterra desde 06 de junho de 2005.

É natural que ao incentivar a prática esportiva pela população se revele, dentre os ‘simples mortais’, uma dezena de atletas aptos e com índices que os habilitem a competir nos próximos Jogos Olímpicos.

Vejamos o resultado da Grã Bretanha comparando os quadros de medalhas dos Jogos Olímpicos de 2008 em Pequim, 2012 em Londres e agora no Rio de Janeiro.

jogos olimpicos

Notadamente o incentivo ao esporte é um legado importante e perene para qualquer nação.

O projeto de crescimento esportivo como política pública, o incentivo às práticas esportivas pela população e o apoio ao esporte de alto rendimento, iniciada imediatamente após a escolha da cidade londrina em 06 de junho de 2005 potencializou o desempenho impulsionando o país no quadro de medalhas.

Ressalte-se que nos Jogos Olímpicos de Atlanta - 1996 - o Brasil ocupava a 25ª posição (3 de ouro, 3 de prata e 9 de bronze, num total de 15 medalhas), enquanto a Grã-Bretanha, também com 15 medalhas (1 de ouro, 8 de prata e 6 de bronze) detinha a 36ª. posição, lembrando que esta possui território e população equivalente a um terço do Brasil.

Diferentemente de Londres, o Rio de Janeiro não elaborou um plano de gestão do legado deixado na Vila Olímpica. Londres privatizou o espaço. Para usar os equipamentos paga-se. Talvez pelo padrão de lá não pese muito no bolso dos ingleses. Não sei se é uma boa opção. Os jogos olímpicos daqui custaram 50% a mais do que os de Londres. Custarão aos cofres da Prefeitura do Rio de Janeiro R$ 350 milhões para desmontagem dos equipamentos provisórios e mais R$ 39 milhões mensais na manutenção do Parque Olímpico para mantê-lo em boas condições de uso.

Doze dos atletas que medalharam treinaram em instalações das Forças Armadas Brasileiras. O Ministério da Defesa investiu, entre 2008 e 2011, R$ 18 milhões preparando os atletas para competirem no V Jogos Mundiais Militares do CISM de 2011, realizados no Rio de Janeiro, a exemplo do que fizeram Itália, França, Espanha e China. O Brasil ocupou a 1ª colocação com 45 medalhas de ouro, 33 de prata e 36 de bronze, perfazendo um total de 114 medalhas. O investimento deu certo. Frutificou também nesta Olimpíada.

Há muito a ser feito. O Brasil precisa avançar mais para mantermos o legado que acaba de ser entregue. Não somente atletas de alto rendimento devem ser incentivados e apoiados, mas o cidadão comum também. Pesquisas apontam que 49% dos jovens brasileiros não praticam atividade física e que cada U$ 1 investido no esporte, lazer e recreação economiza-se outros U$ 4 na saúde.

Ainda concorremos a uma medalha que poderemos ou não receber em 2020 com os resultados do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Se possível, que seja a de ouro.

 


¹AMÂNDIO MARTINS é Graduado em engenharia Civil pela FAAP e pós-graduado em Administração pelo Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia. Leciona na Escola Superior de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales

 

Os artigos aqui publicados não refletem a opinião da Escola de Contas do TCMSP e são de inteira responsabilidade dos seus autores.


Comentários

0 # Maria Cristina 09-09-2016 16:17
Parabéns pelo artigo, bem oportuno. Que venha as olimpíadas de 2020!

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