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Assessoria de Imprensa, 07/06/2020

A partir da necessidade do município de São Paulo obter recursos para fazer frente ao combate à pandemia, a Escola de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) organizou, na sexta-feira (05/06), o evento on-line sobre as "Operações urbanas consorciadas: CEPACs, outorga onerosa, Fundurb e seu uso no combate ao coronavírus". O objetivo foi discutir o aspecto jurídico do assunto, um tema escasso na doutrina, e abordar questões de desigualdade na cidade conectadas às operações urbanas consorciadas.

A primeira a discorrer sobre a matéria foi a assessora chefe da Assessoria Jurídica de Controle Externo (AJCE) do TCMSP, Egle dos Santos Monteiro. A servidora do TCMSP comentou sobre os debates que foram levantadas em reunião sobre essa emergência: "Nessa discussão toda surgiu a questão relativa à possibilidade de utilização dos recursos da operação urbana, em especial a da Faria Lima, para o enfrentamento da crise". De acordo com a assessora chefe da AJCE, a política urbana é um dever do município. Como explicou Egle Monteiro, os termos do artigo 182 da Constituição vão desenvolver essa política tendo em vista a busca das funções sociais da cidade, e o Estatuto da Cidade, norma base do direito urbanístico, vai trazer uma série de instrumentos para o desenvolvimento da política urbana, e dentre esses instrumentos estão as operações urbanas consorciadas. "A realização das operações urbanas vai passar por um conjunto de atores Elas têm por característica travar uma parceria entre vários setores da sociedade no desenvolvimento dessa política. Então, temos aí um instrumento do direito urbanístico concertado porque ele vai ter a participação ou até, como alguns costumam dizer, a parceria entre setores públicos e setores privados para a realização das intervenções urbanas", explicou a assessora jurídica Egle dos Santos Monteiro.

"Outra característica muito marcante desse instrumento é que ele já traz consigo a forma de financiamento para essas intervenções", completou Egle. "A operação urbana vai estabelecer alguns parâmetros urbanísticos específicos para aquela área, aquela região, que poderão ser utilizados mediante a contrapartida pelos que pretendem utilizar esse benefício. [...] É justamente essa contrapartida que vai financiar os investimentos, essa requalificação urbanística da área. A motivação para a utilização dos instrumentos é justamente ter uma transformação do espaço público por meio de um financiamento privado", definiu a palestrante.

Mediante os esclarecimentos, a assessora chefe da AJCE diferenciou a outorga onerosa das operações urbanas consorciadas. "No âmbito da outorga onerosa os interessados vão poder adquirir o solo criado, adquirir o terreno virtual mediante o pagamento de contrapartida. Mas, no caso da outorga onerosa, a infraestrutura necessária para fazer frente a esse incremento de adensamento já existe. [...] É necessária a previsão legal, a previsão do Plano Diretor, e podemos ver de forma muito clara que é um instrumento que visa à recuperação dos investimentos públicos que permitem a valorização do imóvel. [...] Nas operações urbanas consorciadas vamos ter uma situação um pouco diferente porque essa infraestrutura não está disponível, ela vai ser incrementada à medida que haja também a possibilidade de utilização dessa diferença entre o coeficiente básico e o coeficiente máximo de aproveitamento dos imóveis na região", diferenciou.

Sobre os pressupostos para a utilização das operações urbanas consorciadas, Egle Monteiro informou que, a exemplo da outorga onerosa, é necessário que haja previsão no Plano Diretor. "Além disso, o perímetro deve ser estabelecido mediante lei e também a utilização dos recursos auferidos no âmbito da operação devem ser utilizados nesse perímetro onde a operação urbana vai ocorrer. A contrapartida a ser exigida dos proprietários deve ser calculada em função dos benefícios auferidos e evidentemente essa possibilidade de adensar a região deve ser estudada para que haja uma correspondência no suporte de infraestrutura que se pretende", revelou a assessora do TCMSP. De acordo com Egle Monteiro, a contrapartida pode ser realizada através do Certificado de Potencial Adicional de Construção, os CEPACs, que serão livremente negociáveis até o momento em que forem convertidos em direito de construir.

Outra questão, também requisito das operações urbanas consorciadas, é que haja uma forma de controle da implementação da operação com a participação da sociedade civil. "Também é necessário que a lei que venha estabelecer a operação urbana tenha participação da população e dos vários seguimentos da sociedade. É preciso que se faça audiências públicas para definir como a forma dessa operação urbana vai ser realizada e vai se desenvolver", disse Egle.

Durante sua explanação, a assessora chefe da AJCE do TCMSP nomeou as operações urbanas consorciadas presentes na cidade de São Paulo:

  • Operação Urbana Consorciada Centro;
  • Operação Urbana Consorciada Água Branca;
  • Operação Urbana Consorciada Faria Lima;
  • Operação Urbana Consorciada Água Espraiada.


Entre as críticas que se faz, Egle apresenta o domínio de setores específicos, em especial do mercado imobiliário, no delineamento desse plano de intervenção que é a operação urbana consorciada. "Outra crítica é a verticalização excessiva das áreas, o cuidado com esse adensamento, e, como consequência, uma infraestrutura insuficiente", ressaltou. Também se critica o processo de gentrificação. "Na verdade, a valorização da área acaba expulsando aquelas pessoas que têm menor poder aquisitivo e acaba não podendo se utilizar dessa valorização justamente porque o terreno, o valor dos imóveis vai ficar muito mais caro, o valor da locação vai ficar muito mais caro e vai acabar expulsando as pessoas que têm uma menor renda", explicou. A figura das empreiteiras quase como agentes onipresentes na história é também alvo de críticas. "E a gente vê nessa situação as empreiteiras participando das obras públicas relativas aos planos de investimento das operações urbanas e participando da incorporação dos imóveis", destacou. Como última crítica, Egle Monteiro falou do valor do solo criado e definido por metas de rentabilidade financeira.

Dando continuidade ao assunto, o assessor jurídico Newton Antônio Bordin, integrante da equipe da AJCE do TCMSP, adentrou com mais rigor nos detalhes sobre os CEPACs, sobre o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) e sobre a utilização de recursos de fundos e de operações urbanas na destinação ao combate à pandemia do coronavírus.

Bordin classificou que os CEPACs são ofertados de forma pública, em regra, porque isso atrai a atuação da Comissão de Valores Imobiliários (CVM). "Eu digo 'em regra' porque tanto os CEPACs podem ser colocados de forma privada e também porque a prefeitura pode usar o CEPAC para pagamento de determinadas obras na área do perímetro da operação urbana", relatou o palestrante.

"Esses recursos não têm natureza tributária e sim de contrapartida pelas obras que o ente público irá executar na região da operação urbana ou no perímetro e não caracteriza como endividamento público. Ele é obtido junto à particulares, aí o sentido amplo de investidores", alertou Bordin.

O assessor pontuou como uma das vantagens da utilização do CEPACs a vinculação dos recursos arrecadados para a realização dessas obras na área específica, sendo uma destinação vinculada voltada ao custeio desse plano de investimentos naquela determinada área. "Tem uma questão de melhor transparência. Justamente por essa atuação ampla, qualquer pessoa, teoricamente, pode transacionar, pode atuar nesse mercado e aí a atração de mais uma instância de controle que, no caso, é a Comissão de Valores Imobiliários. Há um viés de reforço de transparência em como é feita essa estruturação, em como isso é executado", observou.

Na sequência, Bordin falou sobre Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). "É um fundo especial. Ele tem a finalidade de realização de investimentos relacionados à implementação de obras, de projetos das diretrizes do plano diretor estratégico. Entre as fontes de receita do Fundurb há tanto dotações orçamentárias como repasse, mas tem algumas fontes específicas, no caso, outorga onerosa e transferência de potencial construtivo, também receitas provenientes de concessão urbanística, entre outras fontes possíveis", elencou o assessor jurídico, que completou sua intervenção sublinhando que a possibilidade de utilização dos recursos do Fundurb depende de programação de restituição integral dos valores atualizados e em um prazo previamente estabelecido.

Por fim, Bordin comentou a Lei nº 17.335, de 27 de março 2020. "O município se adiantou e estabeleceu uma forma muito positiva de atuação coordenada entre os poderes e disciplinou medidas excepcionais para o enfrentamento da pandemia. Essa lei traz uma série de medidas excepcionais que não ficam restritas apenas à revisão de contratos administrativos. Tem, por exemplo, decisão de subvencionar o setor de transporte coletivo por conta da diminuição do fluxo de ônibus, da quantidade de passageiros, no intuito de se evitar desemprego. Então, ao mesmo tempo que se tem a crise de saúde pública, há a tentativa de amenizar o impacto social e econômico disso", salientou o Newton Bordin.

O professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador-diretor do Centro de Estudos da Metrópole (Cepid/Pasesp), Eduardo César Leão Marques, entrou na transmissão para fornecer ao tema o olhar que a sociologia e os estudos urbanos foram produzindo sobre as operações consorciadas ao longo do tempo.

Marques trouxe um panorama geral do modelo no mundo até chegar no caso brasileiro. "No caso do Brasil, as operações urbanas consorciadas são objetos de polêmica, e levantar os pontos dessa polêmica é uma parte da minha tarefa aqui. [...] Primeiro, há elementos negativos associados ao nexo necessário entre as operações urbanas e a valorização da terra. [...] A explicação da teoria econômica para os preços da terra é que diferentemente de muitos outros bens a terra urbana não foi produzida como tal ou o valor embutido nos preços da terra urbana não expressa ou expressa de maneira muito distante os custos de produção da terra urbana. Eles estão muito mais associados às possibilidades que aquela localização específica e aquele conjunto de infraestruturas e benefícios associados àquela localização provêm em termos amplos, em termos comercial, produtivos, de habitabilidade e sociabilidade. [...] A lógica da operação urbana depende de uma lógica de valorização da terra e, por isso, ela estará sempre concentrada em área de mercado que são áreas já valorizadas", explicou Eduardo Marques.

O professor também comentou sobre a segregação social como objeto de polêmica. "Por conta da lógica de segregação socioespacial, o fato de a cidade ter grupos sociais distribuídos de forma heterogênea e certas regiões serem habitadas pela população mais rica e outras habitadas pela população mais pobre, e isso tem certa homogeneidade interna e distância entre esses espaços, essas áreas de mercado são áreas onde já habitam a população de maior renda. O fato de que os perímetros são socialmente homogêneos seria um problema e as operações dependem das expectativas de valorização", esclareceu Marques.

Como as duas últimas polêmicas, revelou a crônica dificuldade de alavancar a Habitação de Interesse Social nas operações e a crítica à captura do processo decisório.

O palestrante não se ateve somente às polêmicas, mas apresentou também os argumentos de defesa:

  • Captura de mais-valias fundiárias - redução de gastos, antes do orçamento (sem contrapartida);
  • Renovação urbana com implementação insulada, de grandes projetos;
  • O poder público conseguir planejamento e indução territorial (PDs);
  • Produção de recursos adicionais ao orçamento.

Um dos materiais expostos pelo professor Marques foi uma genealogia/cronologia das operações realizadas em cada gestão na cidade de São Paulo. Com dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura da Cidade de São Paulo (SP Urbanismo), ele exibiu uma tabela de arrecadação e gastos comparativos (até 2016). "Os estudos mais detalhados monográficos sobre operações específicas sugerem que os resultados urbanos das operações dependem muito das instituições envolvidas, das dinâmicas políticas que a cercam", afirmou Marques.

"No caso de São Paulo, diria que as operações são instrumentos vagos de renovação, vagos nos sentido de que não existem projetos urbanísticos específicos ou não existe sequer uma intenção urbanística bem estabelecida quando as operações começam [...], mas que aos poucos viraram o formato de financiamento e gestão (insulada) de grandes obras viárias", assegurou o professor da USP, finalizando que "tem uma lógica sob o ponto de vista urbano que reforça a desigualdade porque essa região é a região habitada pela população de maior renda, com um grau de exclusividade bastante razoável, no sentido de homogeneidade social. Só a população de maior renda mora nessas regiões. Isso retorna para o problema do perímetro, já que é muito difícil produzir redistribuição interna, redistribuição social com as operações pela concentração de população de maior renda dentro de atividades econômicas para maior renda dentro de um mesmo perímetro de operação", finalizou Eduardo César Leão Marques.

Após o espaço de fala dos palestrantes, houve discussão do tema com a participação da sociedade, que enviou perguntas pela internet, e do agente de fiscalização do TCMSP, Marcos Chust. A mediação de todo o evento ficou por conta da assessora jurídica da AJCE do TCMSP, Maria Fernanda Pessatti de Toledo.

Assista a transmissão na íntegra aqui: 


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