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Assessoria de Imprensa, 10/06/2020

A Organização das Nações Unidas (ONU) caracteriza a falta de saneamento básico como um dos principais fatores para a proliferação de doenças infecciosas. Tanto é que uma resolução, adotada em 28 de julho de 2010 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhece o saneamento básico como um direito humano, assim como a água limpa e segura. Se considerado o atual contexto de combate à pandemia do novo coronavírus, o debate sobre saneamento básico e a segurança hídrica se faz ainda mais urgente. É o que propõe a Escola de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) no webinar "Pandemia e segurança hídrica: os desafios do saneamento básico na metrópole paulista", realizado terça-feira (09/06).

 

O evento, organizado pelo assessor jurídico do TCMSP, Silvio Gabriel Serrano Nunes, pelo mestre em Planejamentos e Gestão do Território da Universidade Federal do ABC, Lucas Daniel Ferreira, e mediado/debatido pelo advogado e professor Caio Rioei Yamaguchi Ferreira, abordou a problemática do acesso à água nas periferias, favelas e ocupações da metrópole paulista, bem como as ações do poder público, da academia e sociedade civil no combate à crise sanitária.

O secretário executivo do Observatório Nacional dos Diretos à Água e ao Saneamento (ONDAS) e assessor de saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Edson Aparecido da Silva, primeiro convidado a falar, quis dividir a questão da acessibilidade da água por grupos de pessoas. "Aquelas pessoas que estão conectadas ao sistema de abastecimento de água e o fato de elas estarem embutidas no sistema de abastecimento não significa que elas tenham água 24 horas por dia, 365 dias por ano. Essa situação se revela mais drástica nas franjas da cidade, nas periferias das grandes cidades, na área rural. Isso porque nessas áreas, onde o grau de vulnerabilidade é muito maior, essas pessoas não têm condições de armazenar água para enfrentar casos de interrupção do abastecimento [...], isso por uma questão simples: elas não têm caixa d'água, até porque a sua casa, a sua habitação sequer suporta esse tipo de reservatório. Você ainda tem o problema das ocupações, as pessoas que ocupam áreas, tanto na região central da cidade de São Paulo como nas periferias, que têm água de forma alternativa, as pessoas chamam de ligação clandestina. [...] Nesses casos a situação é ainda mais grave porque o risco dessas pessoas consumirem água com algum tipo de contaminação é muito grande", explicou o especialista.

Um outro grupo apresentado por ele é o de pessoas em situação de rua. "São as pessoas que sequer têm água para beber, para tomar banho, para se higienizar ou para lavar as mãos", apontou Silva. "É fundamental trabalhar no sentido de aumentar a percepção das pessoas sobre o que é e a importância de ter acesso a água, de ter acesso ao esgotamento sanitário. É importante que as pessoas saibam que ter acesso a água e a esgotamento sanitário é um direito, é um direito fundamental", ressaltou.

"A ONU, quando deliberou pelo direito à água e ao saneamento como um direito humano e fundamental, definiu cinco critérios que eu acho que tem que compor o debate da elaboração dessas políticas públicas. Um deles é a questão da disponibilidade; o outro a questão da qualidade e da segurança da água que as pessoas consomem, não basta ter água, tem que ter água com segurança; a questão da aceitabilidade, essa questão da água a gente costuma olhar muito apenas com o olhar urbano, de quem vive na cidade, mas essa questão do acesso à água guarda muitas outras interfaces que têm a ver com a religiosidade, com as culturas, com as tradições (os povos indígenas não veem a água, não tratam a água, não convivem com a água da mesma forma que os povos das cidades, que a população urbana, por isso a questão da aceitabilidade). E por fim, o quinto critério, é a questão da acessibilidade", se referiu o secretário sobre a acessibilidade física e econômica.

De acordo com Silva, é muito importante ter como perspectiva que não dá mais para continuar medindo a eficiência e eficácia do serviço com base no percentual da cidade atendida. "Primeiro porque eu corro o risco de excluir dessa conta os invisíveis, são aquelas 2 milhões de pessoas que vivem em áreas ocupadas, em áreas de mananciais etc. Segundo porque eu posso dizer que em São Paulo a Sabesp tem 90% da população atendida com água, o que é um número importante, mas esse número é bom para quem está nos 90%, para quem está nos 10% esse número é péssimo. Então eu acho que a gente tem que começar a pensar formas de medir o nível de eficiência e eficácia do serviço de saneamento na cidade usando critérios epidemiológicos. Acho que é fundamental que o município, no caso o município de São Paulo, seja protagonista das ações de saneamento [...], é importante que o instrumento que norteie a ação da Sabesp no município, que é o contrato de programa, seja um instrumento efetivamente fiscalizado, que seja acompanhado e que seja cobrado pelo município de São Paulo. Acho também que para compor esse protagonismo é fundamental que o município tenha uma presença mais ativa na Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, que é a Arsesp. A Arsesp tem um conselho de orientação de saneamento que tem aceito os municípios. Hoje, o município de São Paulo tem lá um representante. É importante fortalecer esse papel do município enquanto agente regulador e fiscalizador das ações da Sabesp."

"E, por fim, eu acho que é muito importante aprimorarmos e intensificarmos os espaços de controle e participação da sociedade nos serviços de saneamento no município. E quando eu falo de participação da sociedade, eu não estou falando de algo abstrato. Os movimentos populares de habitação, de saúde, ambientais são muito articulados na cidade de São Paulo. Quando eu falo de garantir instrumentos de participação estou falando de chamar esses atores que falam em nome de parcelas da sociedade. Acho que tem que chamar o setor empresarial, tem que chamara a academia, a universidade, tem que envolver muito fortemente os setores de saúde. E por falar em saúde, historicamente o saneamento básico no Brasil era visto com um viés muito forte de infraestrutura e é muito importante desvincularmos o setor de água e esgoto desse setor de infraestrutura e trazer para o setor de saúde pública, porque quanto mais saneamento eu tenho, menos doença eu tenho e mais saúde, portanto", finalizou o palestrante.

A engenheira civil e auditora de controle externo do TCMSP, Gisela Coelho Nascimento foi a segunda debatedora do dia. Seu foco no evento foi a segurança hídrica com recorte na qualidade da água em tempos de pandemia. Primeiramente a engenheira explicou o que pode alterar a qualidade da água. "O que pode alterar essa qualidade? Contaminações diversas na natureza (despejo de poluentes, esgotos, fluentes industriais, águas servidas, escoamento superficial contaminado por agroquímicos, lavagem de ruas com poluentes diversos produzidos, por exemplo, pela circulação de veículos) e nas redes de abastecimento (afluxo de águas contaminadas às redes de abastecimento, por exemplo, quando há pressões negativas na rede)", expôs.

Sobre a segurança hídrica, definiu que ela se refere à disponibilidade de água e infraestrutura, apresentando um mapa com o índice dessa segurança no Brasil. Já sobre o plano de segurança da água, informou que ele analisa os riscos ao longo de toda a cadeia de produção e distribuição da água, levando em conta "o aspecto epidemiológico; a visão sistêmica e integrada da qualidade da água; o princípio das boas práticas de produção da água; delimitação de competências e responsabilidades do SUS e do produtor; valorização dos direitos do consumidor; acesso irrestrito à informação sobre a qualidade da água consumida", elencou a auditora do TCMSP.

Mencionando o artigo Coronavirus in water environments: Occurrence, persistence and concentration methods - A scoping review, do Water Research, Gisela exibiu algumas conclusões sobre o SARsCov para auxiliar nos planos de segurança da água. "O vírus tem baixa estabilidade no ambiente e é muito sensível a oxidantes, como compostos clorados. Isso já é algo razoavelmente reconfortante porque quem tem acesso à água tratada geralmente tem a água tratada com compostos clorados, o hipoclorito de sódio. O Cov pode ser inativado significativamente mais rápido que os vírus entéricos humanos com transmissão hídrica [...]. A temperatura é um fator importante que influencia a sobrevivência viral (há um declínio mais rápido da sobrevivência viral entre 23°C e 25°C do que 4°C). Não há evidências de que o coronavírus humano esteja presente em águas superficiais ou subterrâneas ou que seja transmitido pela água potável [...]. E são necessárias maiores investigações para adaptação de modelos e métodos usados para amostragem e concentração de vírus entéricos não envelopados em ambientes aquáticos para os vírus envelopados, isto é, precisa fazer mais investigação para adaptar os métodos de coleta e amostragem", finalizou a palestrante afirmando que os dados corroboram com as informações que Silva apresentou sobre as populações mais sensíveis serem aquelas que não têm acesso a água. "As que têm acesso a água estão relativamente protegidas em relação a qualidade de água que é distribuída no sistema de saneamento", completou.

O seminário também teve participação do arquiteto e urbanista Lucas Ferreira, que fez um diagnóstico geral com números da situação do saneamento básico na cidade de São Paulo, falou de alguns aspectos do financiamento da política de saneamento e trouxe algumas atualizações sobre o assunto no contexto da pandemia.

"O déficit de saneamento não é algo novo", declarou o arquiteto. "Ele é quase que um sintoma, só que a dificuldade de acesso ao serviço de saneamento é aprofundada agora nessa situação de crise sanitária e pandemia". Ferreira evidenciou que o índice de atendimento de esgoto é de 86,20% e o índice de tratamento de esgoto coletado é de 91,60%. "E esse índice considera as economias ativas pelos domicílios atendíveis, e o índice, por outro lado, de tratamento de esgoto coletado se dá pelo volume de esgoto tratado em relação ao volume de esgoto coletado". Ferreira alertou que esse número cairia drasticamente se fosse levado em conta o esgoto total gerado.

Do ponto de vista territorial, os gráficos do arquiteto evidenciam que o acesso ao saneamento é claramente desigual. "Essa desigualdade territorial também se dá no acesso à saúde pública, principalmente em distritos periféricos."

Sobre a Lei Nacional de Saneamento Básico, expressou ser importante porque trouxe "diretrizes nacionais de uma política de saneamento. [...] A partir desse marco regulatório da lei 11.445/2007, se definiu alguns pontos principais, e eu vou tratar aqui principalmente da parte de financiamento. Ela manteve, na verdade, o financiamento em recursos federais através, por exemplo, do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do orçamento geral da união e de fundos como o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e o BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Por outro lado, manteve o financiamento muito baseado no retorno tarifário, na receita das tarifas dos próprios usuários. E aí, no artigo 13 da lei, eles definiram então que os entes da Federação poderiam, isoladamente ou reunidos em consórcios públicos, instituir fundos aos quais poderão ser destinadas, entre outros recursos, parcelas das receitas dos serviços, com finalidade principal de custear, baseado nos planos setoriais ou planos de saneamento básico, a universalização dos serviços públicos de saneamento básico. Então, foi nessa esteira que o município de São Paulo, a partir da lei 14.934, de 18 de junho de 2009, criou o fundo municipal de saneamento ambiental e infraestrutura, o chamado FMSAI, para custear as ações de universalização do acesso ao saneamento na cidade de São Paulo", esclareceu o palestrante.

Ferreira destacou o caráter de governança compartilhada entre o município de São Paulo e o governo do estado, na figura da empresa Sabesp, mostrando como funciona a estrutura de financiamento do saneamento no município de São Paulo. Entre as alterações recentes devido à pandemia, o arquiteto falou do anúncio de isenção do pagamento das tarifas de água e esgoto, por três meses, para famílias cadastradas como uso Residencial Social e Residencial Favela. Uma segunda alteração é a lei 17.335, de 27 de março de 2020, e o decreto 59.373, de 24 de abril de 2020. "A lei trata de algumas medidas de caráter emergencial decorrentes do coronavírus e a principal delas é a desvinculação das receitas de alguns fundos municipais, ou seja, as receitas não estão mais vinculadas aos fundos para as atividades que eles foram propostos e então esses recursos são transferidos para a conta única do Tesouro Municipal. Então, temos 11 fundos hoje em andamento e um deles é o Fundo Municipal de Saneamento, outro importante também é o Fundo de Desenvolvimento Urbano, o Fundurb. [...] O decreto que complementa essa legislação nova traz no art. 2° que a Secretaria de Governo Municipal deverá promover as articulações entre o governo do estado e a Sabesp para tentar um aditivo contatual e atualizar esse contato para que o fundo mude as regras de operação", concluiu.

Por último, palestrou a também arquiteta e urbanista Rayssa Saidel Cortez, que discutiu como o conceito de segurança hídrica pode ter um novo olhar, como tem sido visto na cidade de São Paulo e as últimas restrições no tempo de Covid-19.

Entre outras coisas, Rayssa apontou que é preciso novas tecnologias e infraestruturas que sejam coerentes com os espaços que serão implantadas. "E é por isso que precisamos evoluir cada vez mais nessa noção de segurança hídrica. Segundo a arquiteta, vale ressaltar alguns limites do conceito predominante de segurança hídrica "como o excessivo objetivo de geração de lucros nos sistemas de ditribuição de água potável, ou seja, que visa que a operação da rede gere ativos e atenda riscos financeiros. Essas diretrizes mantêm condições desiguais de atendimento e explicam por que as companhias tendem a responder que a água está assegurada pois o sistema atende toda a população em condições avançadas de urbanização, com outras redes de infraestrutura - sem explicar suas carências nas áreas irregulares do tecido urbano. Contudo, a população em áreas não-urbanizadas, nos diferentes tipos de moradia e áreas da cidade, geralmente se concentra nas bordas das ramificações da rede e, numa visão de segurança hídrica que foca na implantação de infraestruturas, se tornam grupos em condições inseguras."

"Com o objetivo de apontar saídas para enfrentar a pandemia localmente, foram indicadas ações imediatas para a prefeitura municipal e a Sabesp", informou Rayssa, "tais como: revisão dos períodos de redução de pressão nas tubulações de distribuição de água; novos reservatórios de água em pontos já críticos e conhecidos e/ou em áreas onde o serviço não se encontra atualmente; adoção de caminhões-pipa para garantir a qualidade da água para consumo doméstico; e, instalações hidráulicas, como torneiras e banheiros, em espaços públicos". Ao mesmo tempo, "foi lançado um mapeamento importante da Coalizão pelo Clima, em parceria com a Bancada Ativista na Alesp, que visa, a partir das respostas dos próprios usuários, denunciar lugares da cidade onde pode haver falta de água", anunciou a arquiteta. Exibindo o mapa, comentou que as áreas com mais denúncias da falta de água são as áreas mais precárias da cidade", comprovou.

"Eu acho que por mais que tenhamos avançado em alguns arcabouços legais e jurídicos, e mesmo na atuação, na prática das companhias, a gente ainda tem uma visão de segurança hídrica que atende demandas globais, atende demandas em termos de uma cidade, em termos de uma metrópole, que não são fáceis de serem resolvidas, mas a gente ainda tem pouco entendimento das contribuições que o próprio corpo, que o próprio indivíduo pode dar para esse processo. As relações intra-sociais que compõem a própria segurança hídrica de uma forma ampliada, elas precisam entrar no sistema e aí a forma que a gente entende para que isso entre no sistema é a parceria com os movimentos, com as entidades e com algumas ONGs". Rayssa encerrou as palestras abrindo o evento para debates.

A transmissão completa, os projetos apresentados pela arquiteta Rayssa, e os outros palestrantes, e a discussão com a participação dos internautas pelos comentários do canal da Escola de Gestão e Contas no YouTube e página no Facebook, segue abaixo:

 

 

Caio Rioei Yamaguchi Ferreira, advogado e professor que mediou o evento

Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do Observatório Nacional dos Diretos à Água e ao Saneamento (ONDAS) e assessor de saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU)

Gisela Coelho Nascimento, engenheira civil e auditora de controle externo do TCMSP

Lucas Ferreira, arquiteto e urbanista

Rayssa Saidel Cortez, arquiteta e urbanista

 

 


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