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Assessoria de Imprensa

A continuação do ciclo de debates da Escola Superior de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) sobre "O impacto da pandemia da Covid-19 na saúde pública em São Paulo", promovido pelo Observatório de Políticas Públicas do TCMSP na quinta-feira (4/11), trouxe o tema "Relações familiares, saúde mental e luto na pandemia: os desafios ocultos na quarentena" durante a mesa 2.

 

Palestraram, no período da tarde, a professora de Psicologia da Uninove, Michele Donizete Ferreira Borges; a presidente da Associação Brasileira Multiprofissional sobre o Luto (ABMluto), fundadora e coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (LELu), professora da PUC-SP no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, e na Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, Maria Helena Pereira Franco; e o professor no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo, José Moura Gonçalves Filho.

 

"A necessária quarentena imposta pela pandemia da Covid-19, desde março de 2020, revelou desafios antes imagináveis no cotidiano tido como normal. O convívio familiar intenso combinado com o home office, as crianças e os adolescentes em casa, tendo atividades escolares restritas, muitas vezes estressados, o medo do adoecimento, da morte e a falta do convívio com os amigos trouxeram um quadro de empobrecimento geral, não só do ponto de vista econômico-social. Esses e outros fatores afetaram as relações sociais de todos e todas e, por consequência, nossa saúde mental, que é o foco dessa mesa", iniciou a mediadora, Daniela Freitas, que é assistente de gestão de políticas públicas do TCMSP.

 

A primeira convidada a falar foi a professora Michele, que ressaltou um ponto social crítico desses desafios ocultos: a desigualdade no enfretamento da pandemia em questões de necessidade. "Algumas frases como 'O vírus é democrático' e 'Estamos no mesmo barco' eram repetidas diversas vezes em todo o tipo de contexto. Mas será que elas são verdadeiras? O vírus, de fato, é democrático no sentido do contágio, ele contagia qualquer pessoa, mas o acesso ao tratamento e a gravidade da doença atingiu massivamente a população das classes mais baixas, sobretudo, a população negra, maior vítima da necropolítica, que define quais corpos são matáveis, define quem vive e quem morre. Logo, não estamos no mesmo barco. No máximo, estamos no mesmo mar, cada um com a sua possibilidade de embarcação", constatou.

 

"Em um determinado momento víamos vídeos de influencers falando sobre meditação, como praticar a gratidão, enquanto pedíamos uma comidinha gostosa, vendo uma série ou escutando uma música. No outro, víamos noticiários veicularem matérias de que essas mesmas influencers mantinham mulheres obrigadas a cumprir o isolamento nas suas casas, afinal, 'era muito melhor estarem isoladas no conforto, enquanto trabalhavam, do que estarem nas suas casas sem conforto, nas comunidades'. Víamos notícias como a do jovem negro que vai até a entrada da comunidade esperar o entregador de comida, desaparece e seu corpo é encontrado dias depois", completou a professora de Psicologia.

 

De acordo com a palestrante, nesse barco de aproveitar o isolamento para melhorar a relação com a família, não cabia as pessoas que não puderam fazer o isolamento. "Seja por estarem na linha de frente do combate ao vírus, seja por não terem a opção de ficar em casa e serem obrigadas a escolher entre contrair o vírus e correrem o risco da morte ou perder o emprego e ficar em situação mais precária ainda", lembrou Michele.

 

Segundo a psicóloga, houve um aumento nos casos de adoecimento psíquico, que se desenvolveu ou se agravou durante a pandemia, como depressão e crises de ansiedade. Além disso, muitos pais descobriram filhos/filhas com algum transtorno alimentar, lidaram com as dificuldades escolares das crianças, que se encontraram extremamente dependentes da "tela", se depararam com os problemas, principalmente de adolescentes, para lidar com a imagem, acentuados pela exigência das câmeras ligadas. Michele também citou o caso de crianças que tiveram medo de contaminar seus pais ou avós e a solidão dos idosos isolados sem receber visita dos netos, filhos ou da rede de assistência.

 

Outro fator importante, destacado pela especialista, foi o aumento da violência doméstica e da subnotificação. "A gente já convive com essa grande dificuldade e esse desafio que é a subnotificação da violência de mulheres, crianças e adolescentes que não se sentem à vontade para denunciar ou não têm uma rede de apoio. Com o isolamento, a dificuldade para essas denúncias aumentou muito. Houve, inclusive, o aumento do abuso sexual infantil. Muitas crianças e adolescentes ficaram isolados nesse período com os abusadores e, nesse sentido, a falta de aula agrava esse quadro. A escola, para além do papel da educação, se configura como um dos serviços do sistema de garantia de direitos", avaliou.

 

"Talvez, se algo é possível ser tirado dessa situação de tragédia, de caos que vivemos, é que é a hora de repensar todas as nossas atitudes e decidir se a gente vai só voltar a viver tudo como vivíamos antes ou se vamos conseguir de fato tomar pequenas atitudes e poder olhar para essas relações não com esse peso que foi esse período de isolamento", finalizou Michele.

 

Em seguida, falou a professora Maria Helena, que voltou o foco da mesa para o luto, sentimento vivenciado por inúmeras pessoas no contexto da pandemia de Covid-19. Muitas delas buscaram o LELu, que se notabiliza pelo pioneirismo em psicoterapia para pessoas enlutadas, a par com o cuidado ético e técnico no trato desses pacientes. "A nossa lista de espera foi crescendo porque as pessoas tinham perdas em grande número. Uma pessoa contava: 'Morreu a minha mãe, morreu meu melhor amigo, meu vizinho, meu tio, meu padrinho'. [...] É importante saber qual é a rede de apoio daquela pessoa enlutada e quando a gente ia ver, a rede de apoio estava cheia de buracos, ela tinha essas rupturas todas, ou seja, não havia apoio.

 

A demanda era muito grande também pelo medo de adoecer, medo de ter feito alguém adoecer em casa", contou. A demanda pelo LELu passou a ser tão grande que a psicóloga chamou antigos integrantes do grupo para voltar a atender. "Como era tudo on-line, desde março [2020], abriu esta perspectiva e nós começamos a acolher e a atender pessoas do Brasil todo. Alguém que conseguisse minimamente ter acesso a um celular com conexão que permitisse que a gente se encontrasse, que ali a gente conversasse, era possível."

 

"Luto é uma experiência que nós vamos viver, vivemos, viveremos, pois resulta do rompimento de um vínculo, de uma ligação que seja significativa, um estilo de vida. A experiência de se perceber com algum controle sobre a sua vida, isso rompido gera um luto. Então, o luto não precisa ser especificamente por morte. A pandemia nos ofereceu diversas formas desse luto acontecer. Sim, por morte. Sim, por projetos. Sim, pela segurança que tinha em casa. Enfim, foi uma demanda muito grande trazida sobre a nossa população para entender: não é mais do jeito que era e não é mais do jeito que era não por uma escolha nossa, mas pela realidade que nos foi imposta. Isso foi muito forte para a vivência do luto porque buscávamos resgatar com essas pessoas a possibilidade de viver aquilo que estava acontecendo", descreveu a especialista em luto e fundadora do LELu.

 

Outra questão muito forte diz respeito ao papel necessário da vivência dos rituais fúnebres, da possibilidade das despedidas, de concretude para a perda. "Dentre as muitas situações que colocaram as pessoas fora do domínio da sua vida, essa da falta dos rituais foi muito forte. Não se sabia com certeza se quem tinha morrido era mesmo a pessoa da família; a pessoa foi internada e não foi possível estar com ela, se despedir, ouvir suas últimas palavras, atender algum desejo que fosse importante. Esta foi uma lacuna muito grave no processo de luto. [...] Quando a gente vive isso em condições, vamos dizer, nas quais as restrições não são tão gritantes, a despedida acontece, o ritual tem um peso relativo porque tem a ver com as crenças e práticas das famílias, de uma dada comunidade, o papel daquela pessoa falecida naquela comunidade, na sua família. São vários significados que se entrelaçam. Na situação de Covid, pela restrição de se fazer as despedidas, de se prestar as homenagens, o que ficou para quem vivia aquele luto? Ficou um sentimento de estar em falta com a pessoa que morreu", ilustrou.

 

Um terceiro ponto levantado pela palestrante foi o do lugar do luto coletivo, que se dá pelo senso de pertencer. "É positivo como um recurso de elaboração do luto quando ele é genuinamente coletivo porque esse sentido de pertencer fortalece as pessoas. Ele não substitui o luto individual. Este, inclusive, tem uma potência maior porque não se dilui no coletivo, mas a ideia do coletivo foi positiva que se desenvolvesse. [...] Quando a gente fortalece o coletivo sem desconsiderar o individual, tenho um bom caminho para se viver o luto como tem que ser vivido, porém validando aquilo que é meu próprio e validando a potência que tem o coletivo."

 

Ao final, Maria Helena sustentou: "O luto precisa ser vivido. Eu preciso colocar na minha biografia o que eu vivi, o que eu perdi e quem sou agora que vivo essa experiência".

 

O último a entrar na mesa foi o professor José Moura, que falou sobre saúde mental na pandemia, um tema de muitas abordagens. Mas, limitando o assunto, enfatizou três pontos: a saúde mental depende de um sentido de realidade profundamente compartilhada; a saúde mental se caracteriza como liberdade para o outro e a saúde mental depende de separação entre nós.

 

"Ninguém fica livre de sentir e de responder ao fato de uma pandemia, dos negacionistas aos alarmistas, ninguém fica livre. [...] O primeiro traço assumido por uma pandemia no Brasil foi o de matar muita gente; o segundo, daí derivado, é o de isolamento social muito severo e a esses dois traços, no caso brasileiro, somou-se mais um, não menos tremendo, traço de que a pandemia ocorreu no Brasil durante um governo federal bolsonarista. Nós somos um dos países, até agora, mais castigados pela pandemia por falta de políticas públicas bem coordenadas e que conjugassem a participação popular e a ciência", expôs o palestrante José Moura.

 

De acordo com o psicólogo, uma das coisas que o isolamento e o ambiente de hostilidade atingem é o espaço da conversação, de que depende o sentimento de realidade. "Um sentimento de perda de realidade sempre acompanha o isolamento humano e os antagonismos que são próprios da dominação. [...] O isolamento comporta sempre uma força bastante corrosiva contra a vida, tanto a vida, no sentido daquilo que é impelido pela fome, quanto a vida no sentido daquilo que é impelido pelo desejo."

 

A partir do viés da psicanálise, Moura desenvolveu a ideia do quanto a vida depende do exterior, do outro, e de como a privação levanta uma consciência humilde acerca da "altura do outro" e de mim mesmo. "Existe uma forma de amor próprio que tem como modelo o outro. Existe uma forma de amor por mim em que faço a experiência da minha própria alteridade em relação a mim mesmo e da própria estranheza de mim em relação a mim mesmo. Essa é a possibilidade de conviver com muitos ‘eu's’ respeitosamente e que devem conversar para que por meio dessa conversa eu atine mais na realidade de mim mesmo", desenvolveu sobre autoconhecimento.

 

Ao término de sua fala, o psicólogo e as outras palestrantes puderam discorrer mais sobre os temas, responder as perguntas que surgiram e trocar experiências. A transmissão está disponível na íntegra para os que querem conferir mais.

 

Veja aqui a programação do próximo dia do ciclo "O impacto da pandemia da Covid-19 na saúde pública em São Paulo", que acontece dia 11 de novembro, às 19h.

 

Obs.: A mesa 3 da programação do dia 4 de novembro foi adiada por problemas técnicos. Oportunamente, uma nova data será anunciada. Fique atento(a).

 

Assista aqui a transmissão da mesa 2:

 

 

Daniela Freitas, mediadora do evento e assistente de gestão de políticas públicas do TCMSP

 

Michele Donizete Ferreira Borges, professora de Psicologia da Uninove

 

 

Maria Helena Pereira Franco é presidente da Associação Brasileira Multiprofissional sobre o Luto (ABMluto)

 

José Moura Gonçalves Filho, professor no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo

 


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