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A noção de soberania estatal surge em 1648 com a Paz da Westphalia, que consagrou a ideia de que tudo o que ocorria dentro do território de um Estado era assunto de sua exclusiva alçada. Essa concepção, porém, foi paulatinamente sendo superada pela noção de que certas matérias poderiam impor, em determinadas circunstâncias, até mesmo a desconsideração da soberania estatal, justificando a intervenção da comunidade internacional

Alessandra Mara Cornazzani Sales¹

A noção de soberania estatal surge em 1648 com a Paz da Westphalia, que consagrou a ideia de que tudo o que ocorria dentro do território de um Estado era assunto de sua exclusiva alçada. Essa concepção, porém, foi paulatinamente sendo superada pela noção de que certas matérias poderiam impor, em determinadas circunstâncias, até mesmo a desconsideração da soberania estatal, justificando a intervenção da comunidade internacional.

Este fenômeno encontra na arena do Direito Internacional dos Direitos Humanos o seu terreno mais fértil. Após a 2a Guerra Mundial, uma enorme coleção de Tratados Internacionais passou a regular as relações jurídicas antes tidas como assuntos internos aos Estados e que se relacionava com direitos titularizados pelos cidadãos em oposição às deliberações praticadas pelos próprios Estados. Com a incorporação desses direitos, em nível internacional, ao patrimônio jurídico de todo cidadãos desde a Revolução Francesa de 1789, os tratados internacionais de proteção dos direitos fundamentais do homem passaram também a ser acrescentados ao acervo clássico existente em cada Estado, sem que desrespeitadas fossem suas fronteiras e seu comércio.

No Brasil, esse fenômeno ganha força a partir da redemocratização e da edição da Carta de 1988, com a ratificação de um número expressivo de atos multilaterais de Direitos Humanos, destacando-se o Pacto de San Jose da Costa Rica, como se tornou conhecida a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Se subscritos pelo Presidente da República e aprovados pelo Congresso Nacional, prevalecem em face das leis brasileiras, suscitando, muitas vezes, questões de conflito, como, por exemplo, a rumorosa antinomia relativa à prisão do depositário infiel, que era permitida pela Lei Civil nacional, mas passou a ser vedada em razão da proibição ditada pelo Pacto de San Jose da Costa Rica, devidamente ratificado em âmbito do direito brasileiro.

Importante, contudo, ponderar sobre o status constitucional recebido. É que para o Supremo Tribunal Federal, como a atual Constituição Federal estabelecia, em passo seguinte à negociação e assinatura do Tratado Internacional pelo Presidente da República (art. 84, VIII), sua ratificação por quórum simples do Congresso Nacional (art. 49, I), a incorporação de referida norma equiparava-se à lei ordinária. Em 2009, modificou referido posicionamento com o exame do Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, criando o caráter de supra legalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, reconhecendo status diferenciado de seu conteúdo, sem ainda lhe conferir força própria de norma constitucional, senão mero condão de paralisa à eficácia jurídica de qualquer diploma normativo que com ele conflitasse. Conferia, com isso, recepção à expressiva corrente doutrinária de que o §2o do art. 5o da atual Constituição Federal não esgotava o regime de proteção aos direitos fundamentais com a definição de um rol taxativo, mas admitia expressamente a incorporação dos direitos decorrentes de tratados internacionais ao regime constitucional brasileiro; forçava-se, em verdade, a concessão de um status constitucional na medida em que os comparavam com os direitos fundamentais prescritos pelo próprio art. 5º.

A Emenda Constitucional nº 45/04 suscitou a celeuma. Com a introdução do §3o ao art. 5o, elevou-os expressamente à condição de norma constitucional, de mesma ressonância à eficácia das Emendas Constitucionais, ao impor o mesmo rito de aprovação legislativa destas, ou seja, aprovação por 3/5 dos votos dos membros de cada Casa Legislativa e em dois turnos de votação.

Silenciou, apenas, a EC nº 45/04, quanto à natureza jurídica dos tratados de direitos humanos já ratificados sob o regime anterior. Quatro correntes doutrinárias se firmaram: a primeira enquadrou-os como leis ordinárias, porque não cumpridos os requisitos do §3o do art. 5o; a segunda entendeu ratificada sua natureza constitucional, porquanto consagrada a existência de tratados formal e materialmente constitucionais; a terceira elevou-os à condição de Lei Complementar por decisão constitucional, de modo semelhante a que se submeteu o Código Tributário Nacional; e a quarta, segundo o mecanismo da “recepção” e a partir da “constitucionalização” dos tratados de direitos humanos futuros, automaticamente preservou-lhes o mesmo status constitucional, tal qual seria visto a partir do recém-editado §3º.

De todo modo, seja qual for a posição adotada, certo é que os tratados de direitos humanos não comportam denúncia por parte do Brasil, sob qualquer forma, dada sua proteção como cláusula pétrea recebida pela própria Constituição: art. 60, §4o, IV.


1 Advogada. Especialista em Avaliação dos Negócios Governamentais pela FEA-USP. Pregoeira pelo TCU. Auditora Interna em Processo de Qualidade no Serviço Público. Membro da Comissão de Propostas de Parceiras e Convênios Públicos da OAB-SP. Assessora de Gabinete da Escola Superior de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
2 Selecionado a partir do referencial sugerido para o exame de ingresso no Programa de Pós-Graduação “estricto sensu”- Mestrado/Doutorado, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo.


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