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Assessoria de Imprensa, 10/08/2021

Atividades culturais de qualidade, a distância, estão entre as ações mais desenvolvidas para que a sociedade possa enfrentar a pandemia de forma mais benéfica e para que a arte sobreviva. Em um debate sobre esse assunto que permeia a Cultura no Brasil contemporâneo, da pandemia aos processos de criminalização que recaíram sobre as manifestações artísticas, o Programa Encontros Plurais recebeu, na sexta-feira (06/08), uma das pessoas mais significativas do país na área de Cultura: o sociólogo Danilo Miranda, diretor do Sesc (Serviço Social do Comércio) Regional São Paulo desde 1984. A conversa foi conduzida pelo diretor-presidente da Escola Superior de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), Maurício/Xixo Piragino e pelo chefe de gabinete da instituição de ensino, o economista Marcos Barreto.

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Logo no início da entrevista, o diretor avaliou o desmonte e a criminalização da Cultura, por parte do governo federal e de alguns setores da sociedade. "É uma questão muito grave. De um lado temos essa questão da criminalização, da vinculação a uma ideia de que Cultura significa um pensamento contrário ao país, contrário aos interesses do país, um pensamento antigo, um pensamento que de que se favorece artistas que são sempre, entre aspas, mal-intencionados, que desejam apenas mamar nas tetas do governo, que têm interesses, portanto, escusos, o que é um absoluto absurdo. Temos uma estrutura desenvolvida durante muitos anos nesses governos todos pós-ditadura militar, temos várias conquistas importantes no campo da cultura, na instalação de instituições, nos modos de agir, na legislação, no modo de financiar, nos modos de gerir que evoluíram bastante nesse período pós-ditadura e que estavam e continuam estando, de alguma forma, aptos a participar de todo o processo. A Cultura é indispensável, a Cultura é que nos faz seres humanos completos. O desenvolvimento puramente material é insuficiente, diria até inadequado e perigoso, se pensarmos apenas na questão puramente material e/ou econômica. Temos que pensar no todo, temos que pensar na questão do desenvolvimento cultural, social, ambiental. Isso tudo se chama desenvolvimento sustentável, porque fala de todos os aspectos que envolvem o ser humano. Isso está abandonado hoje do ponto de vista de política pública federal. Está abandonado nessa questão da criminalização, está abandonado pela ausência do financiamento. Existe uma lei (a Lei Rouanet) e outros suportes diretos do Tesouro que não estão sendo aplicados. A Lei Rouanet está aí, mas ela está sendo dificultada e muitos organismos não têm condições de manter a sua atividade sem a Lei Rouanet, portanto, estão impossibilitados de produzir. [...] Realmente há um desmonte terrível, sob todos os pontos de vista, muito negativo e muito perigoso", lamentou.

Mesmo com os percalços que a Cultura vem enfrentando, Danilo Miranda conseguiu fazer um contraponto. "Da parte da produção efetiva, ou seja, das pessoas que realizam, que fazem em todos os campos da Cultura, em todas as linguagens – da música, do teatro, da dança, das artes visuais, a questão patrimonial, museus, as questões ligadas a própria defesa desses aspectos no dia a dia das pessoas – há uma evolução enorme. As pessoas estão produzindo, estão fazendo. Elas estão criando, executando, porque, independente da questão oficial de governo, sobretudo governo federal, as coisas continuam porque Cultura é essência. Não é complemento, a Cultura é essência. Por isso, está no sangue, no dia a dia das pessoas que produzem em toda parte: na periferia, no centro, no interior, nas capitais, no litoral, em toda parte do Brasil continua se produzindo muita Cultura. [...] Há hoje muitas lives, apresentações online à disposição das pessoas, em todas as plataformas possíveis. Com isso, muita gente tem produzido e se apresentado. A Cultura permanece. Não vão acabar com ela. Agora, prejudicam porque não facilitam, não ajudam a financiar, não incentivam, não entram em uma perspectiva de fomento. Isso é muito grave e perigoso. Tenho muita esperança que esse quadro se reverta daqui a algum tempo. Para piorar tudo isso, temos esses incêndios absurdos [em órgãos que abrigam acervos culturais] que aparecem por descaso, descuido, desatenção, e que têm, portanto, um caráter até criminoso. Na medida em que você tem uma situação como a da Cinemateca de São Paulo, que é de um material de combustão fácil, colocado em um lugar precário, com instalação elétrica precária, você está anunciando para todo mundo que aquilo ali vai pegar fogo a qualquer momento. Os responsáveis por isso cometeram crime contra a Cultura e contra a sociedade, na medida em que não tomam providência. A questão é muito grave mesmo", completou.

Como gestor do Sesc São Paulo, Miranda fez uma revolução na entidade privada, dotando-a de um firme propósito público. Diante desse desafio, Marcos Barreto questionou o entrevistado sobre os aspectos positivos e as dificuldades de uma entidade com essa característica. "Ela é privada, e tem seus recursos garantidos pela Constituição, inclusive. Vem da contribuição das empresas de comércio, serviços e todas aquelas envolvidas neste mundo amplo de comércio e serviços, incluindo turismo, saúde, comunicação. Enfim, é bastante vasto o nosso espectro de clientes a serem atingidos prioritariamente. Temos essa distinção muito clara do ponto de vista da prioridade da nossa ação. Os trabalhadores dessas empresas que contribuem para manter o Sesc ganham essa condição de priorizados. Eles são prioridade da instituição, recebem a condição de credenciais plenos na realização das nossas atividades", observou.

Cada Estado dispõe de uma estrutura própria do Sesc, que é autônoma em temos de programas desenvolvidos e em termos financeiros, de quadro de pessoal, mas há uma proposta de caráter nacional que é orientada e feita de maneira organizada. Em São Paulo, são mais de 40 unidades do Sesc (40 unidades típicas e mais quatro especializadas), espalhadas por todo Estado. "De modo geral, cumprimos essa missão sem grandes problemas do ponto de vista da realização, das escolhas, das frequências. As unidades estão aí a pleno vapor. Quando não estão a pleno vapor, como atualmente, estão semiabertas/semifechadas, ou seja, estamos com o atendimento apenas com pré-agendamento, nesse momento, para algumas atividades, e aos poucos vamos retornando com a evolução da questão da vacinação. Voltaremos quando tivermos um percentual maior da população inteiramente vacinada", declarou o gestor.

"Além de cumprir os objetivos, temos uma arrecadação compulsória garantida pelas empresas, o que para nós é muito importante, mas temos o controle público. Desde sempre somos auditados, acompanhados, com o controle em todo o território nacional feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU)", explicou Miranda. "É importante dizer que não somos Administração Pública direta, não usamos recursos do Tesouro Nacional, temos uma arrecadação que passa pela Receita Federal, antes passava pela Previdência, agora passa pela Receita Federal e é entrega aos "S" [nove instituições de interesse com categorias profissionais, estabelecidas pela Constituição brasileira]. É importante dizer isso porque é um serviço que hoje a Receita Federal presta ao sistema, não é alguma coisa que é financiada pela Receita Federal, é uma arrecadação feita pela Receita Federal, como é a arrecadação da Previdência, como são as outras arrecadações, de imposto de renda, enfim, de todo o sistema fiscal brasileiro. A Receita Federal que cuida disso, em nível federal, e recolhe também os recursos para as entidades "S", de modo geral, e repassa. Para fazer esse trabalho de recolher e repassar, a Receita é remunerada. Um percentual razoável da arrecadação é destinado a pagar a Receita Federal. Portanto, é uma prestação de serviço, não é um financiamento. [...] No passado, eu diria, havia uma mentalidade de pessoas, no próprio Tribunal de Contas da União, no sentido de nos entender como Administração Pública direta federal, e nunca fomos", esclareceu Danilo, ressaltando que o Sesc São Paulo tem uma administração autônoma, que pode colaborar com o governo, mas são entidades independentes, que lidam com uma missão própria e cumprem essa missão da melhor forma possível usando esses recursos.

De acordo com Danilo Miranda, toda a ação do Sesc, seja ela também na área da saúde, alimentação, lazer, trabalho com idosos e com crianças, enfim, toda a ação desenvolvida pela entidade tem sempre um caráter educativo. "Por isso menciono sempre com muita clareza a participação, o envolvimento, a mistura, o entendimento único da Cultura e da Educação como duas faces da mesma moeda, na medida em que estou ali, informando, preparando pessoas, esclarecendo coisas, dando autonomia, pensamento crítico, visão de futuro, e a Cultura faz isso de maneira brilhante."

Ao ser indagado como manter a excelência de qualidade nos serviços do Sesc SP, Danilo Miranda respondeu que o fundamental é investir no respeito e na valorização do ser humano. "Se não dá para fazer bem feito, não faremos. Faremos sempre da melhor forma e buscando o melhor sempre [...], usando o melhor material, para que as pessoas se sintam respeitadas, valorizadas dentro do Sesc de modo que esse nosso cuidado é parte de um programa, parte de uma intenção. [...] Claro que isso não é tudo, é parte do processo. A programação é fundamental, o atendimento às pessoas é fundamental, o sorriso no rosto, coisa que não é muito fácil manter, por mais que treine, prepare, converse e convença as pessoas, cada uma vive sua realidade, e são as mais variadas. Além disso, parte de alguns serviços são prestados dentro das nossas unidades por terceiros. A gente procura também, de alguma forma, atuar, desenvolver, nos preocupar com eles, fazer programa de alfabetização para determinados terceirizados [...]. Então, a gestão de pessoas é a grande questão, o cuidado com elas. Não tem um dia no ano em que não tenha alguém do Sesc em alguma ação de treinamento, de desenvolvimento pessoal. Sempre tem alguém participando de cursos, congressos, reuniões internas e externas. Esse é um fundamento que coloquei desde o primeiro dia em que assumi", disse sobre a qualificação permanente dos colaboradores.

Com isso, Miranda pontuou que, na medida que se tem uma atenção a todos e a todas de uma maneira aberta, democrática e igualitária, a diversidade vem como algo absolutamente natural. Também assinalou que o que preside a ação do Sesc é o pensamento, de fato, público, de prestar serviço à comunidade. "É uma instituição vinculada a essa proposta, é um pensamento republicano, no qual o direito de todos tem que ser valorizado e respeitado, no qual o esforço de instituições do caráter educativo de formar o melhor possível para todos é essencial. Tudo isso faz parte de uma proposta institucional que está muito presente", completou.

Em suas respostas, o sociólogo traçou também o caminho para reduzir a desigualdade: Cultura e Educação. "O que torna a periferia mais forte é a sua produção cultural excepcional, fantástica, que se torna até central, se torna até algo que ganha dimensão de ser parte essencial da realidade brasileira. [...] Isso torna a periferia protagonista, presente, a ponto de ser valorizada. Essa coisa da periferia e centro revela, de alguma forma, que a questão da desigualdade tem muito a ver com a questão cultural efetivamente. [...] Nós do Sesc temos essa tentativa de não distinguir. Não existe centro e periferia", declarou.

A Cultura, segundo o entrevistado, tem a função de provocar a discussão, de propor ações, propor a consciência e análise da sua situação pessoal, da situação à sua volta, suas relações com o mundo, com as pessoas, com a sociedade de modo geral, muitas vezes de maneira provocativa. "Isso é educativo, isso transforma, melhora a vida das pessoas, faz pensar. Arte que não faz pensar, arte que não cumpre esse papel, não é completa", pontuou, lembrando que, diante do cenário atual, o Sesc não poderia deixar de cumprir seu papel de levar a arte completa às pessoas.

Miranda explicou ainda que durante a pandemia foram feitas algumas ações de caráter institucional importantes. Entre elas, o reestabelecimento das lives culturais e musicais, sobretudo, para os artistas. Fortaleceram o programa Mesa Brasil, que funciona como apoio à alimentação dos mais carentes, de modo geral, buscando alimentos onde está sobrando e levando para onde há necessidade através de instituições. "Nesse meio, demos preferência em determinados momentos para o povo da Cultura, esse povo do suporte da Cultura que ainda, eu acho, continua com muita dificuldade. Falta realmente uma política pública voltada para esse suporte. Muitos países enfrentaram situações parecidas e tiveram condições de dar o suporte para aqueles que tiveram essa falta de serviço, essa falta de atividade e, graças a isso, puderam se manter pelo menos. O Brasil tentou alguma coisa, mas muito pouco em comparação com a necessidade. Dizer que não foi feito nada, não é verdade, mas o que foi feito não foi suficiente", lamentou.

Chegando ao final do evento, Miranda se aprofundou em assuntos como a Lei Rouanet, a necessidade de investimentos mais prementes na Cultura, de forma que esta seja vista como área de investimento e não despesas, e a inclusão da população de rua no Sesc. "Não é muito fácil mantermos uma ação no sentido de abrigar, acolher no meio todas as pessoas que frequentam o Sesc. Claro que a gente não permite nenhuma atitude agressiva ou contrária à presença deles, mas eles não se sentem muito confortáveis. Os mais jovens, as crianças, os adolescentes entram, vão ao banheiro, a gente tem sempre alguém orientando sobre a questão do cuidado, com muita atenção, mas não é uma coisa que signifique um programa propriamente permanente. Temos uma ação que está sendo preparada na região da Cracolândia, temos uma unidade na Cracolândia, o Sesc Bom Retiro, e vamos trabalhar com a questão da produção cultural. Tem um grupo de artistas interessados no acompanhamento de pessoas que convivem, que estão ali também, não necessariamente usuários, mas também os usuários, e essas pessoas estão preparando uma ação que acontecerá em breve no Sesc Bom Retiro. Então, pretendemos ampliar isso”, garantiu.

“Por ocasião da pandemia até oferecemos nossos espaços para abrigar, acompanhar, para servir de hospital de campanha para moradores de rua, mas não chegou a se efetivar isso. Diria que o que fazemos é uma política de não-exclusão mesmo, mais que uma política de inclusão efetiva. [...] No caso do Sesc Pompeia, que tem uma rua que entra, que é um pouco o princípio que está por trás da ideia da praça do Sesc 24 de Maio, que está, inclusive, na ideia do Sesc Vila Mariana, que a gente está mudando a entrada do Vila Mariana para também estabelecer isso, essa conexão fácil, direta, amigável com a rua, sem catraca, é um princípio importante, aberto, não convidativo, mas facilitador, e, se puder, convidativo também. [...] O Sesc ganha uma maturidade maior quando atrai muita gente que vai sem ter o que fazer, vai porque quer ir, porque sabe que lá vai ter algo a se fazer", concluiu.

Confira a íntegra da entrevista:

 

 

 

Danilo Miranda, sociólogo e diretor do Sesc (Serviço Social do Comércio) Regional São Paulo

Maurício/Xixo Piragino, diretor-presidente da Escola Superior de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP)

Marcos Barreto, economista e chefe de gabinete da EGC

 


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