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Luis Eduardo Morimatsu Lourenço

PRESSUPOSTOS TEÓRICO-FILOSÓFICOS DAS DOUTRINAS DA INTERPRETAÇÃO TRADICIONAIS 1ª parte
Propomos, neste momento, um breve – e por isto mesmo problemático - desvio pelas tortuosas sendas da Filosofia, que tem como objetivo precípuo o de destacar que a teoria da interpretação jurídica tradicionalmente concebida se edifica sobre uma série de pressupostos de ordem filosófica que estão longe de serem inquestionáveis.

Em verdade, há uma forte tendência – não sem eventuais questionamentos em âmbito doutrinário, é verdade - que apontam para novas possibilidades a serem exploradas. Como pretenderemos demonstrar, a justificação da ampliação dos círculos de intérpretes empreendida por Häberle pode, em menor ou maior grau, ser relacionada a estes desenvolvimentos teóricos, que acabam por questionar uma série de premissas fundamentais e caras à teoria da interpretação jurídica tradicional. Não nos parece uma hipótese totalmente descabida: que alguns dos elementos aqui destacados sejam pressupostos pela interpretação jurídica tradicional, é fato que já fora assinalado anteriormente  . Ademais, para aqueles que possuam um mínimo contato com o desenvolvimento da história das Ideias em ambiente germânico, certamente não causa surpresa a complexa e intima relação entre Filosofia e Direito, traço característico daquele panorama cultural. Como nos lembra Bonavides, é na Alemanha que a Filosofia do Direito trava suas batalhas mais renhidas.

Em sentido ainda mais concreto: que Häberle fora decisivamente influenciado pelos desdobramentos da doutrina da interpretação jurídica em solo alemão - que teve entre seus mais destacados teóricos Viehweg, Müller e Hesse - é fora de questão. Que Hesse – orientador de Häberle em âmbito de Doutorado e nome dos mais destacados no movimento doutrinário que restou conhecido como “hermenêutica concretizadora” – fora ele mesmo profundamente influenciado pela Hermenêutica Filosófica é fato bem sabido.

Sobre as possíveis relações entre as concepções de Häberle e Müller, por sua vez, ouçamos as esclarecedoras palavras de Marcelo Neves:
O conceito de Constituição sistêmico-teorético que adotamos acima estrategicamente, vinculado à noção moderna de “constitucionalização”, pode ser complementado mediante a abordagem da relação entre texto e realidades constitucionais. Não se trata, aqui, da antiga dicotomia “norma/realidade constitucional”, mas sim do problema referente à “concretização” das normas constitucionais, que, nessa perspectiva, não se confundem com o texto constitucional. Sob esse novo ponto de vista, o texto e a realidade constitucionais encontram-se em permanente relação através da normatividade constitucional obtida no decurso do processo de concretização. Na teoria constitucional alemã, destacam-se nessa direção os modelos de Friedrich Müller e Peter Häberle².

Não se pode olvidar que subjacente à crença que identifica de forma taxativa os intérpretes legitimados àqueles expressamente previstos no rol da carta constitucional, há toda uma concepção teórica-dogmática que compreende o sentido do complexo normativo como algo objetivamente “dado”, cabendo ao intérprete tão somente a adequação instrumental – operada no plano estritamente formal da validade - deste hipotético plano de sentidos abstratamente concebido com um determinado estado de coisas juridicamente constituído.

Neste sentido, Häberle:
A estrita correspondência entre vinculação (á Constituição) e legitimação para a interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão quando se consideram os novos conhecimentos da teoria da interpretação: interpretação é um processo aberto. Não é, pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas diversas. A vinculação se converte em liberdade na medida em que se reconhece que a nova orientação consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do círculo dos intérpretes aqui sustentada é apenas a consequência da necessidade, por todos defendida, da integração da realidade no processo de interpretação. É que os intérpretes em sentido amplo compões essa realidade pluralista. Se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da law in public action³.

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¹Neste sentido, por exemplo: STRECK, 2014, pp.259-328; BARROSO, 2013, pp. 330-336.
²NEVES, 1994, pp.76-77.


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