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Luis Eduardo Morimatsu Lourenço

Neste sentido, contra uma concepção de sujeito desenraizado, abstrato, destacam-se as características fáticas daquele que busca compreender e que, em sua concretude, não é meramente um ente que contempla teórica e desinteressadamente o mundo, mas já parte sempre de todo um horizonte significativo pré-teórico, de toda uma série de pré-compreensões e pré-juízos. O intérprete está ele mesmo inserido no rico “mundo da vida” (lebenswelt), é ele mesmo parte de uma “forma de vida” que o envolve:

A inserção das realizações teóricas em seus contextos práticos de formação e de aplicação desperta a consciência para a relevância dos contextos cotidianos do agir e da comunicação. Através do esboço do pano de fundo do mundo vital, estas atingem, por exemplo, o nível filosófico¹

É mesmo bastante difícil não traçar paralelos entre esta problematização do intérprete em sentido lato - empreendida pela Filosofia -, e as palavras do próprio Haberle:

Qualquer intérprete é orientado pela teoria e pela práxis (...) a vinculação judicial á Lei e a independência pessoal e funcional dos juízes não podem escamotear o fato de que o juiz interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade. Seria errôneo reconhecer as influências, as expectativas, as obrigações sociais a que estão submetidos os juízes apenas sob o aspecto de uma ameaça á sua independência. Essas influências contêm também uma parte de legitimação e evitam o livre arbítrio da interpretação judicial. A garantia da independência dos juízes somente e tolerável, porque outras funções estatais e a esfera pública pluralista fornecem material para a lei²

Deve-se destacar nesta passagem que o reconhecimento do “fato de que o juiz interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade” não implica em uma ameaça iniludível à devida interpretação das normas pelo Juízo. Em verdade, a problematização e explicitação de toda esta esfera fática é parte do próprio processo de justificação teórica, processo este que deve ser empreendido pelo intérprete, funcionando como verdadeiro “espaço lógico das razões” a que o juízo está vinculado no sentido da “demonstração e justificação do raciocínio desenvolvido e (...) explicitação das relações entre o sistema jurídico e o problema a ser resolvido” ³

Pertinentes são os esclarecimentos de Häberle:

Diante da objeção de que a unidade da Constituição se perderia com a adoção desse entendimento, deve-se observar que as regras básicas de interpretação remetem ao “concerto” que resulta da conjugação desses diferentes intérpretes da Constituição no exercício de suas funções específicas. A própria abertura da Constituição demonstra que não apenas o constitucionalista participa desse processo de interpretação! A unidade da Constituição surge da conjugação do processo e das funções de diferentes intérpretes 4

Em outras palavras: o que poderia parecer apenas uma ameaça ao aspecto materialmente fundado das decisões jurídicas, na verdade tem o condão de restringir a livre criatividade do intérprete, evitando possíveis arbítrios. O dever de uma correta fundamentação das decisões continua sendo imperativa, portanto: a ampliação do círculo dos intérpretes não pode – e não deve - ter como consequência necessária o puro e simples decisionismo:

A esfera pública pluralista desenvolve força normativa. Posteriormente, a Corte Constitucional haverá de interpretar a Constituição em correspondência com a sua atualização pública 5

 

Bibliografia

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[1] HABERMAS, 1990, p.43.

[2] HÄBERLE, 2002, pp.31-32.

[3]BARROSO, 2013, p.301.

[4]Op. Cit., pp.32-33

[5]Idem, p. 52.

 


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