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Antônia Conceição dos Santos*

A crise dos refugiados da Síria está fazendo com que a União Europeia reflita como será o futuro da mesma, uma vez que o discurso unificador não é adotado pelos 28 países membros diante de um fluxo migratório tão intenso que só fora visto durante a Segunda Guerra Mundial.

A Europa conseguiu se reerguer após a catastrófica Segunda Grande Guerra, logrou reestabelecer suas instituições e fortalecer o modelo de bem-estar social. Ocorreu a retomada do crescimento que culminou com a criação da União Europeia (UE).

Com o objetivo de constituir-se como uma Organização Internacional com características de integração, a UE deu um grande passo, e a partir de 2004, iniciou a admissão de países da Europa Oriental e ex-integrantes da União Soviética, como Estados membros da Organização. Tal admissão de novos membros não agradou algumas potências da UE, mas a Organização foi capaz de superar essas diferenças, por mais que até hoje exista preconceito por parte de membros da União Europeia em relação aos países do Leste Europeu.

Apesar de lidar com desafios referentes a questões culturais, diferenças econômicas e xenofobia, a União Europeia estava disposta a manter a união dos seus Estados membros. Com a crise financeira global de 2008, os desafios da UE aumentaram e a própria existência da Organização foi questionada não só por seus membros, como pela comunidade internacional.

Países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha foram fortemente afetados pela crise e tiveram que adotar medidas de austeridade impostas pela própria União Europeia. Essas medidas causaram efeitos perversos nas populações dos países mais afetados pela crise, causando o aumento do desemprego, precarização do trabalho, diminuição de salários, cortes no setor público, entre outras.

A Europa ainda não conseguiu se reerguer após a crise de 2008, a Espanha, por exemplo, ainda apresenta uma alta taxa de desemprego, por volta dos 20%. Diante das já existentes dificuldades, a União Europeia se deparou com um de seus maiores desafios: a crise migratória dos refugiados sírios, que teve seu ápice em 2015, e que segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 4 milhões de sírios se encontram em situação de refugiados, sendo que mais de 350 mil solicitaram asilo à países da União Europeia. Países como Jordânia, Líbano e Turquia também receberam milhares de refugiados sírios.

Esta grande afluência de refugiados, levou os Estados da União Europeia a uma deterioração das políticas públicas para refugiados, uma vez que estes não estavam dando resposta ao problema, e devido a incidentes imputados aos imigrantes, despertando na opinião pública uma posição xenófoba, dando margem a atitudes violentas contra os “estrangeiros”.

O atual quadro se deu por motivos de guerra ou perseguição politica ou étnica segundo a ONU “em 2014, 59,5 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar seus países devido à violência”.

Conflitos armados decorrentes da invasão do Iraque e Afeganistão, além dos países africanos ou pós Primavera Árabe respondem, em grande medida, pelo maior número de refugiados no mundo desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo o Acnur, “o número de deslocados e refugiados alcançou, em 2014, um recorde de 59,5 milhões de pessoas. Há uma década o número era de 37,5 milhões.”

As perspectivas são sombrias, pois com grande influência do discurso discriminatório, várias nações estão tomando atitudes xenófobas, e caminhando para uma grande perseguição aos imigrantes. Em meio a esta situação caótica a Organização das Nações Unidas (ONU), imobilizada, uma vez que China e Rússia, membros do Conselho de Segurança da ONU, apoiam o regime do ditador Bashar Al Assad, o que causa um entrave político neste tema. Além de não ter uma atitude protagonista nesta grave crise, a ONU também manteve-se inerte, no período anterior, permitindo que esta situação se instalasse, cabe aos setores mais conscientes e progressistas retomarem a bandeira da solidariedade internacional, democrática, buscando uma alternativa que preserve a dignidade do ser humano, e resgate nossa própria humanidade.

As notícias e imagens sobre essa realidade, apesar de provocar reações e sensibilizar diferentes lideranças mundiais, merece atenção especial por parte não só das lideranças, mas também de toda  sociedade, já que esse cenário, traz questões que afetam a humanidade. Hoje são os sírios, amanhã poderá ser outros povos e, o problema não é somente dos países europeus. Recentemente, Peter Sutherland, enviado especial das Nações Unidas para Imigração e Desenvolvimento, declarou que a crise migratória não é somente um problema dos países europeus e, sim, um problema global. Para ele, todos os países devem abrir as portas aos refugiados.

Alguns Estados membros adotaram leis para restringir a imigração de refugiados. A Hungria, por exemplo, reestabeleceu os controles em sua fronteira com a Eslovênia, o que causa estranhamento dado que os dois países fazem parte do espaço de livre circulação Schengen. Outro recente exemplo lamentável partiu de alguns estados da Alemanha, Dinamarca e Suíça que anunciaram que confiscarão os bens dos refugiados que entrarem em seus territórios para cobrirem despesas e custos sociais. Como se vê, cada Estado atua de forma independente, de acordo com as forças internas de cada país, dado que a UE não possui uma politica própria para refugiados.

A UE por ser uma Organização Internacional com caráter de integração e cooperação tem o dever de buscar soluções conjuntas para lidar com essa grave crise, uma vez que a própria Organização não possui competência legal para decidir sobre este tema e depende da cooperação dos Estados membros para dar respostas à crise. A Alemanha tem destinado esforços para reverter a situação e se dispôs a abrigar milhares de refugiados, e a mesma tenta, em vão, encontrar soluções, mas não recebe o apoio de alguns países.

Essa realidade nos lembra o grandioso Saramago que diz,“ o egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribuiu para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir nossos interesses”.
                              
                            São Paulo, 30 de Janeiro 2016

*Antônia Conceição dos Santos é mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Assessora da Escola de Contas do TCMSP.


Os artigos aqui publicados não refletem a opinião da Escola de Contas do TCMSP e são de inteira responsabilidade dos seus autores.


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